O prequestionamento1 - Origem histórica
A Constituição Republicana de 1891 O prequestionamento baseado nos ideais do liberalismo da Lei norte-americana serve de instrumento irrecusável ao deslinde dos recursos especial e extraordinário no Brasil, que mesmo em Constituições anteriores à época de grandes opressões políticas e sociais pretendia seguir os princípios democráticos. Assim a evolução do ordenamento jurídico brasileiro, desde o início, demonstra a dificuldade em definir os parâmetros e a real necessidade do prequestionamento diante de um Estado de Direito Democrático. Os Constituintes da Carta Magna vigente, nessa esfera, optaram por omitir tal instituto, causando insegurança jurídica e dando margem as mais diversas interpretações dos Tribunais, sem um compromisso teórico-científico. O grau de incertezas e a quantidade de opiniões fazem com que o prequestionamento adote outras direções, senão por muitas vezes inadequadas. O prequestionamento para muitos se parece com o "bicho-papão", ninguém sabe o que é ao certo, mas todo mundo tem medo. Advogados se preocupam em levantar a questão federal ou constitucional desde a petição inicial ou da contestação, enquanto juízes se detêm ao mérito da causa uma vez que a discussão na esfera inferior deste tipo de matéria é delicada e deve ser observada com cautela. Os Tribunais ora entendem suficiente o simples relato da matéria ou menção de dispositivo, ora exigem o enfrentar da questão por completo como indispensável. O ônus processual de prequestionar pode ser exclusivo da parte interessada ou do julgador, e até mesmo por meio híbrido, onde um completa o outro, afastando a preclusão. Este prequestionamento como o próprio nome já diz, deve ser feito antes do julgamento do recurso, pois se este fosse realizado apenas após o julgamento seria um pós-questionamento e não um prequestionamento. Outrossim, consoante a provável contribuição do prequestionamento como requisito específico à admissibilidade dos recursos excepcionais, juristas controvertem-se entre si para definir o seu valor no alcance da tutela jurisdicional, como também, para esgotar as afirmações e ou negações a respeito da constitucionalidade de sua exigência. Na doutrina posições há que defendem inexistir sob a proteção da Constituição Federal o instituto do prequestionamento, haja vista que este não se encontra em expressa disposição da Carta. Diversamente buscando aliviar a austeridade do requisito, outros juristas, admitem até mesmo o prequestionamento implícito ao reconhecer o inevitável cumprimento aos princípios do duplo grau de jurisdição e do acesso a tutela jurisdicional. Enfim, essa precariedade de consenso sem sombras de dúvidas aflige demasiadamente os operadores do direito que se vêem a mercê da sorte, como numa verdadeira loteria. Isto posto, a diversidade simultânea de entendimentos pode causar seria perturbação a funcionalidade do Direito, havendo necessidade de uniformização da jurisprudência com o intuito de desenvolver mecanismos que impeçam os jurisdicionados de ficarem desprotegidos de uma situação que atente a Constituição Federal ou uma lei federal. Portanto, almejando obter esclarecimentos decisivos a respeito do tema, e não com o propósito descabido de exaurí-lo, avaliar-se-á a localização do instituto dentro do espírito da excepcionalidade dos recursos extraordinários lato sensu, ressaltando ininterruptamente as ponderações e restrições dos Tribunais Superiores no tangente a admissibilidade desses recursos. Ainda será importante frisar a possibilidade da utilização residual dos Embargos Declaratórios com fins prequestionadores, além de destacar obviamente o entender dos doutrinadores que o repugnam nesta forma. Em meados de 1789 brotava nos ideais dos brasileiros a necessidade de uma revolução. Era a população se organizando contra a monarquia. A necessidade era a Independência do Brasil, que por conseqüência poderia trazer o fim da autoridade monarca. E como exemplo de líder pró-republicano temos Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha "Tiradentes", o primeiro a sofrer os maus-tratos da Independência. Proclamada a Independência havia necessidade de elaborar um sistema jurídico próprio do Brasil, haja vista que não mais podia se submeter às normas de Portugal. E a Constituição de 1824 outorgada pelo Príncipe Regente é organizada conforme a nova conjuntura política. Foi a solução para o inicio do processo de emancipação jurídica. Reprimidos os movimentos republicanos em 1870, o País parou no tempo, contudo, a sede de revolução já se enraizava. Mas foi tão somente a partir de 1888 com a abolição da escravatura que a Proclamação da República tornou-se tangível. Mais tarde em 1889, apenas três fatores ainda ajudavam a manter o sistema monárquico: o prestigio pessoal de D.Pedro II junto à classe política, a dedicação ao Imperador por parte dos chefes militares mais antigos e a divisão dos republicanos em "revolucionários", que desejavam a derrubada imediata da monarquia, e "evolucionistas", que imaginavam que com a morte do Príncipe Regente o Império cairia por si só. E somente no dia 11 de novembro o marechal Deodoro da Fonseca aceitou chefiar um movimento que derrubaria o governo. Ao amanhecer do dia 15 de novembro, o ministério foi deposto. Na tarde desse mesmo dia, oficialmente se proclamou a Republica e dias depois a família imperial deixava o Brasil. O Brasil passou a ser uma Republica Federativa composta por vinte Estados. Como todo sistema federativo, cada Estado possuía autonomia: podia eleger seu governador e sua Assembléia Legislativa, tinha sua própria Constituição e organizava sua administração, sistema judiciário, serviços públicos, sistema escolar, forças policiais entre outros. Podiam ainda contrair empréstimos no exterior, cobrar impostos e ter seus próprios corpos militares. Alem disso, cada Estado tinha seu Código Eleitoral e seu Código Processual Civil. Logo se reunia a primeira constituinte republicana que apresentou a primeira Constituição Republicana dos Estados Unidos do Brasil de 1891, e que seguindo a orientação do Professor Rui Barbosa adotou como modelo a Lei judiciária norte-americana e seus princípios basilares. A nova Constituição instituía três poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A Constituição norte-americana admitia o duplo grau de jurisdição e o reexame necessário das decisões prolatadas pela Justiça Estadual, além de já à época, restringir a possibilidade de interposição de recursos. A previsão era de que as questões repassadas ao cunho valorativo do órgão superior deveriam ter sido objeto de discussão anterior, ou seja, exigia-se o Prequestionamento. E em virtude desses basilares, a constituinte brasileira entendeu razoável a adoção do chamado writ of error - cabimento de recurso excepcional -, porém restringido pela exigência do prequestionamento. Nasce, pois, como condição sine qua non, o conhecimento anterior da questão diante da instância inferior para a admissibilidade do recurso no Supremo Tribunal Federal. A Constituição Republicana de 1934 Sempre ansioso por Revolução o Brasil na década de 30 fez desencadear uma série de ocorrências históricas: a deposição do então Presidente da República Washington Luís Pereira de Souza, a transmissão do Governo a Getúlio Vargas que presidiu num governo de transição, e a preparação para o Estado Novo, exclusivo da Ditadura militar e de seus interessados. O governo provisório de Vargas era de interesse direto da burguesia industrial e financeira, das classes médias urbanas e da aristocracia exportadora gaúcha. E tais grupos também representavam os interesses do capitalismo americano. Vargas adotou uma política de populismo assumindo a defesa das reivindicações sociais do momento. E paralelamente às ditaduras estrangeiras o populismo dos anos 30 fundamentava-se na concessão de direitos trabalhistas e previdenciários das massas urbanas e a cultuação a Getúlio. Em 1933 elegeu-se uma Assembléia Constituinte para elaborar uma nova Constituição, que era formada por 214 deputados eleitos por sufrágio universal e por 40 sindicalistas, sendo 18 de sindicatos de trabalhadores, 17 de associações de empregadores, 3 de profissionais liberais e 2 que representavam o funcionalismo publico. Por tais motivos que a terceira Constituição do Brasil foi sem dúvida a mais democrática, e como bem leciona Cretella (2000, p. 43): "Achavam-se enumerados os preceitos e princípios que os Estados deveriam observar nas suas organizações judiciárias e provimento dos respectivos cargos, assim como os direitos e garantias individuais. Em títulos especiais, estavam agrupados as diferentes normas atinentes a ordem econômica e social, a família, a educação e a cultura, aos funcionários públicos e a segurança nacional." A nova Constituição apesar de ser reflexo dos preceitos militares estava repleta de interesse pelo social, e ainda como a anterior, ao citar a expressão "questionar" manteve o prequestionamento como requisito elementar a interposição do recurso extraordinário. A Constituição de 1946 Getúlio assumiu a presidência constitucional em 1934 para permanecer no governo até 1938. Entretanto, em 1937 Vargas através de um golpe de Estado estabeleceu a ditadura e permaneceu no poder por mais oito anos. O golpe de 1937 alegando necessidade de paz e segurança provoca a implantação do Estado Novo na ditadura de Vargas. Decreta-se a Constituição de 1937 de imediato efecha-se o Parlamento Nacional. O poder absoluto é unicamente do Governo. Entre os muitos crimes que ocorrerão na época da ditadura, inclui-se a prisão da mulher de Prestes, Olga Benario Prestes. Grávida, foi presa, torturada e depois entregue a Gestapo alemã, acusada de "judia e comunista". Fuzilaram-na em 1942 no campo de concentração nazista de Revensbruck. Vargas que se inclinou para os regimes nazi-fascistas, quinze anos passados foi perdendo suas forças para os regimes democráticos de Direito pós Segunda Guerra Mundial. Getúlio estava se aproximando dos setores políticos nacionalistas. Atemorizados com essa aproximação os grupos conservadores retiram seu apoio a Vargas e o depuseram do poder. Entre os grupos que subiram ao poder após a queda de Vargas, incluíam-se alguns dos elementos mais reacionários que haviam apoiado a ditadura. Tal presença representava um risco permanente ao regime democrático. Foi com a intenção de Redemocratizar o Estado Novo que Marechal Dutra acelerou a reunião da Terceira Constituinte, e a Constituição social-democrata de 1946 coerentemente ofereceu maior preocupação com o espírito democrático do momento, onde havia a sobreposição do social ao individual. No geral, a Constituição era bastante liberal e apesar de algumas falhas adaptou-se bem a realidade brasileira. Nesta Constituição um detalhe importante foi a inclusão do sistema de controle constitucional de toda e qualquer lesão de direito, proporcionando a todos o alcance a Carta Política. Todavia, em decorrência de algumas modificações, exclui-se o termo "questionar" em uma das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, e perante a dispensa do prequestionamento a jurisprudência passou a entender que em razão da natureza de recurso excepcional, não seria necessária a expressa requisição do prequestionamento. A partir de 1964 a Constituição fora mutilada pelos Atos Institucionais acabando extinta em 1967. A Constituição de 1967 Vargas suicida-se. O quadro social transforma-se, refletindo nas eleições diretas. Jânio Quadros renuncia e se institui o parlamentarismo. Tancredo Neves passa a ser o primeiro-ministro e dias depois restabelece o Presidencialismo. João Goulart na intenção de construir um regime marxista orientava-se pelos comunistas e põe em prática o regime militar no Brasil. Os Atos Institucionais aterrorizam a população e o sucessor de Castello Branco, o General Costa e Silva, tratou de mandar elaborar a Constituição de 1967. No Congresso Nacional e nas ruas iniciava a oposição, pois a Carta Política teria nascido por imposição do governo. Implantava-se um evidente regime militar, sem qualquer garantia ao cidadão brasileiro. O texto ao tratar de recursos extraordinários, reflete-se no descontentamento com a cláusula de 1946 que mencionava tão apenas a "contrariedade", e referia-se dando maior amplitude a "negativa de vigência". Ainda, o prequestionamento não era exigido e os doutrinares se dividiam entre: inconstitucionalidade em função da ausência do termo, e aplicabilidade, pois o prequestionamento já estaria embutido na tradição jurídica do País. A Constituição de 1988 Médici tomava posse do governo em 1969 acreditando no "milagre brasileiro" e as disputas eleitorais eram travadas pela ARENA e o MDB. O último ano do governo Médici assistiu ao colapso do "milagre brasileiro", pois a inflação voltara a crescer e os pobres estavam ficando mais pobres do que já eram. Em 1979 Geisel sucedia Médici, e seus atos e sua equipe transpareciam que o novo governo era mais flexível, menos radical, e se não chegava a ter tendências claramente democráticas pelo menos estaria disposto a uma moderada abertura política. A economia deteriorava-se, sendo impossível repetir o "milagre". A sociedade estava cansada do longo regime militar e da falta de liberdade política. No Mundo, a crise do petróleo majorava a inflação e os preços aumentavam. No Brasil, os tecnocratas resolveram encontrar fontes alternativas de energia a fim de substituir o petróleo importado. Em janeiro de 1979 o AI-5 foi revogado, em março ainda sob eleição indireta o general João Baptista Figueiredo tomou posse na presidência, entretanto, os movimentos das Diretas-Já tomavam fôlego e o pluripartidarismo se fortificava, momento em que os partidos ARENA e MDB se extinguiam através da reforma partidária aprovada em 1979. Nos bastidores, os poderosos convenceram Geisel a impor Figueiredo como seu sucessor no intuito de manobrá-lo atrás das cortinas. Detalhe importante é o fato de que Figueiredo, sob os olhos de todos, era totalmente despreparado para assumir o controle do poder. Nos dois anos seguintes o processo de abertura política atravessou uma fase turbulenta com avanços, recuos e ameaças de retorno a ditadura pura e simples. Por fim em 1982 realizaram-se eleições diretas para governador pela primeira vez desde 1965. E em todos os Estados mais importantes o governo passava para o controle da oposição. A Campanha das "Diretas Já" liderada por grandes expoentes do cenário político como: Franco Montoro, Mário Covas, Dante de Oliveira, Luis Inácio da Silva, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola entre outros, desejando eleições presidenciais diretas se intensificava. Nas urnas em 1985 disputavam Paulo Maluf da direita pedessista ligado aos grupos mais conservadores do país e que contava com a simpatia de Figueiredo, e Tancredo Neves da direita peemedebista, um dos elementos mais moderados e que acenava com reformas que agradavam ao povo, sem no entanto, por em risco os interesses das classes dominantes. Assim, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves e Jose Sarney para a Presidência e vice-presidência da Republica. A vitória do candidato acendeu enormes esperanças, mantendo contudo, o publico em vigilância, pois temiam um novo golpe militar. Subitamente, acometido de grave doença Tancredo falece. Nas ruas a população ainda chocada com os acontecimentos assistia a posse de Sarney na Presidência da Republica. Ressalta-se que Tancredo Neves morreu sem ter tomado posse e com base em uma interpretação discutível da Constituição o vice-presidente Sarney foi empossado na Presidência. Diante de todos os acontecimentos a sociedade ansiava por mudanças políticas. Era necessária a eliminação de toda a legislação arbitraria e ditatorial do regime militar. No interesse de construir um sistema político democrático e legitimo, a Assembléia Nacional Constituinte delineou as normas da Carta Magna de 1988 consolidando a redemocratização e tendo por base o princípio do Estado de Direito Democrático. Vemos finalmente que a Constituição Federal de 1988, atualmente em vigor, em suas disposições trata tão apenas, do "contrariar" e do "contestar" quanto as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário e do especial - que emergiu da finalidade de desafogar o Supremo Tribunal Federal e reestruturar as funções do mesmo. Hoje o prequestionamento é invenção dos Tribunais, pois majoritariamente entenderam que mesmo suprimido o vocábulo "questionar" da Carta Magna sempre se conservou como requisito indispensável à admissibilidade e conhecimento dos recursos. 2 - Conceito de prequestionamento O prequestionamento é um pressuposto processual que deve ser entendido como pormenor anterior e externo ao ato processual, ou seja, um pressuposto extrínseco especifico - que como já foi dito, é característica da razão de ser os recursos extraordinários excepcionais - e deve estar contido no ato de interposição dos remédios extraordinários dirigidos aos Tribunais de Cúpula. De origem doutrinária e considerado como condição sine qua non para a admissibilidade dos recursos extraordinários. Aponta-se que desde as Constituições anteriores o prequestionamento é instituto de tamanha importância para a admissibilidade dos recursos excepcionais. Sua finalidade primária, de acordo com a jurisprudência predominante, seria impedir a supressão do principio do duplo grau de jurisdição que oferece a via recursal aos interessados e remete quando necessário, a questão a ex officio. Prequestionar em termos meramente didáticos é abordar questão federal ou constitucional, configurando-se que a matéria veiculada nos recursos extraordinários lato sensu foi objeto de debate e decisão prévios. Morfologicamente falando podemos subdividir o termo "prequestionamento" em: PRE - QUESTIONAMENTO, assim temos que "pre" no seu sentido etimológico é prefixo de origem latina significando anterioridade. Por outro lado, "questionamento" derivado de "questionar" exprime debater, discutir, contestar em juízo e levantar questão. Portanto, seguindo esta linha, "prequestionamento" é a discussão anterior de determinada questão em juízo. A Constituição de 1988, diferentemente da Constituição anterior, vedou que os Tribunais Superiores "legislassem" sobre a admissibilidade e o processamento de recurso. Sobretudo, quando da previsão do recurso extraordinário e do recurso especial não se referiu ao termo "questão" usado por Constituições anteriores, contentou-se para o cabimento deste, que a decisão recorrida tivesse violado a Carta Magna ou violado e contrariado a lei federal. A priori diz-se que o prequestionamento presta-se a exaltação dos órgãos a quo e ao princípio do acesso a prestação jurisdicional, bem como dirimir pontos controvertidos referentes a questão federal ou constitucional no âmago das relações jurídicas Ademais, o sistema dos recursos extraordinário e especial respeita os interesses de ordem publica - qual seja, a garantia do respeito às normas constitucionais e infraconstitucionais federais. Assim, é razoável que sua interposição obedeça a critérios mais rigorosos de admissibilidade, pertinentes ao caráter de excepcionalidade que possuem, diferentemente dos recursos ordinários. Isto posto, a diversidade simultânea de entendimentos pode causar séria perturbação a funcionalidade do Direito. Por fim, o prequestionamento atua como um divisor indicando os limites subjetivos para a interposição dos recursos excepcionais. E num primeiro momento, diante do exposto, teremos que somente a matéria concretamente conhecida pelo órgão a quo será objeto de apreciação do órgão ad quem, pois o debate fora realmente exaurido pela decisão recorrida. Cumpre ressaltar que, como já aludido, "causa decidida" equipara-se a "prequestionamento", porque "questão" é termo sinônimo de "causa". Aliás, prequestionar nada mais é do que a existência de uma questão decidida, ou seja, a princípio a apreciação de uma determinada matéria na decisão do juízo a quo. A diversidade dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais nos levam a conhecer o conceito do instituto do prequestionamento além do seu sentido morfológico. De tal modo a posição do professor Nelson Nery Junior (2000, p.252) é de que o prequestionamento é exatamente a expressa manifestação do juízo a quo a respeito de uma questão federal ou constitucional. Então, afasta-se aqui, a provocação da parte, pois será a decisão proferida pelo órgão julgador que marcará o momento do prequestionamento, independentemente daquela. Assim, de acordo com essa primeira posição, prequestionamento e a efetiva apreciação de uma questão por parte do juiz a quo. A manifestação do julgador e relevantemente mais importante do que a simples alegação da parte. E igualmente, se o órgão julgador apreciou uma dada questão há prequestionamento e considerar-se-á um ato exclusivo do juiz. Observe-se, contudo, que se a questão só tenha surgido na decisão recorrida, dispensado estará o prequestionamento, porque desta forma compreende que o tema já foi abordado pelo órgão a quo, trazendo uma situação alienígena ao que se prevê inicialmente, tal seja, a discussão anterior enfrentada pelas partes. Não se permite confundir os pontos tratados pela decisão recorrida e a atuação da parte recorrente, assim o que de fato importa é a mera deliberação a respeito de dado tema seja federal ou constitucional. Há, entretanto quem entenda como Theotônio Negrão apud Medina (1999, p. 196) que o prequestionamento é decorrente de um ato da parte, ou seja, matéria prequestionada é aquela ventilada pela parte antes da apreciação do julgador. Competirá à parte interessada provocar o juízo a quo a respeito da matéria federal ou constitucional que entende imprescindível para solucionar o conflito de interesses, por conseguinte, considerar-se-á ônus da parte recorrente. Sobre esse vértice, o recorrente não pode propor a discussão de questão nova que não fora examinada até o momento pretendendo prequestionar a matéria. Sendo assim, o prequestionamento deve ser anterior a decisão, não admitindo inovação da parte. Com a devida vênia, o prequestionamento é anterior, mas devemos tê-lo como o questionar de uma matéria em momento adequado, atendendo obviamente os limites da preclusão, tanto temporal, quanto consumativa. Mas ressalta-se, nesta posição a iniciativa da parte é fundamental para o deslinde e a caracterização do prequestionamento, contudo, por ser um fato pretérito não é próprio dizer que a parte deve "prequestionar", porque uma vezqueo tempo não retrocede é perceptível que prequestionar é algo impraticável no tempo atual. Os doutrinadores majoritariamente entendem que o prequestionamento é um ato de provocação da parte. Esta provocação pode surgir desde a inicial ou da contestação, pois desde então, há a oportunidade da parte suscitar a matéria federal ou constitucional com o intuito de resguardar seu direito. Reconhecendo a regra da disponibilidade dos direitos o mestre CONRADO (2000, p.76): "Preordena o art.2º do Código de Processo Civil que "Nenhum juiz prestara a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais". Eis a idéia de inércia, verdadeiro principio processual que impõe aos interessados a tarefa de suscitar o aparelhamento da maquina jurisdicional, pena de a atividade compositiva dos conflitos verificados ao curso das relações jurídicos de direito material quedar inviabilizada. E e dessa idéia inicial que tiramos, doutra parte, o principio dispositivo, irmão da inércia, segundo o qual `as partes assiste um poder de disposição das faculdades jurídicas que se lhes põem: se disporem de tais ou quais faculdades, deixando, por exemplo, de postular sobre um direito (material) que lhes assiste, deixarão de obter do Poder Judiciário (que e inerte) a correlata providencia." O juiz somente poderá julgar nos limites do pedido e desta conclusão vemos a desvantagem do prequestionamento como um ato da parte, pois na sua inércia o juiz nada poderá fazer, sob o risco de caso se manifeste julgar extra petita. O Estado-juiz não atua senão quando provocado nos ditames do princípio da inércia combinado com o princípio do dispositivo. O prequestionamento ocorre em momento prévio a decisão recorrida porque apesar do dever de ofício do juiz é a parte quem deve colocar em pauta determinada discussão. Todavia, podemos perceber que se o prequestionamento tido como ato jurisdicional consoante alguns juristas é admitido, teremos o prequestionamento da parte como o momento original do mesmo, ou seja, como já exposto acima, na incidência da preclusão, ainda restará uma saída para a ocasião do prequestionamento consistente na hipótese do juízo a quo levantar a matéria como base de fundamento em sua decisão. Temos ainda uma terceira posição que mescla as duas anteriores onde não basta que a matéria seja objeto de argüição da parte, pois na medida em que há um questionamento prévio sobre questão de direito federal ou constitucional, necessariamente deve existir em seguida a manifestação expressa na decisão recorrida acerca desse tema. Portanto, matéria ventilada e não apreciada, não será considerada como matéria prequestionada. A matéria deve ser analisada pelo juízo a quo, daí porque a existência de um prequestionamento híbrido, onde entende que o debate tem que ser exaurido tanto quando da provocação da parte, quanto na apreciação do mérito pelo julgador. 3 - Formas de apresentação do prequestionamento Distanciando-se do conteúdo do prequestionamento e sua definição, existe uma outra problemática, tal seja a forma de manifestação desse instituto, logo se trata de mera consolidação do prequestionamento. Pois bem, se de fato necessitamos de prequestionamento para adentrar na instância superior por meio de recursos extraordinários, indispensável será a definição de sua existência materializada de certa forma. Conseqüentemente classificamos o prequestionamento em "explícito" e "implícito". O prequestionamento explícito é aquele que não deixa dúvidas, a parte suscita a matéria expressamente ou o juízo emite valor acerca da matéria federal ou constitucional, decisão esta devidamente motivada e indicando os dispositivos legais sob apreciação. E a ausência desse prequestionamento inviabilizaria o conhecimento do recurso. |
Explícito é termo que representa expressão, manifestação por palavra ou demonstrar de forma escrita determinado entendimento. O prequestionamento tratado aqui então, é pressuposto natural dos recursos extraordinários e para configurá-lo é imperioso que a instância inferior emita expresso juízo de valor acerca da matéria e ainda mais, exige-se o destaque do dispositivo objeto da discussão.
Nesse passo, apresentamos decisões com o fito de evidenciar a fundamental importância do prequestionamento explícito: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Prequestionamento implícito. Inadmissibilidade. Diz-se prequestionada a matéria quando a decisão impugnada haja emitido juízo explícito a respeito do tema, inclusive mencionando o dispositivo constitucional previamente suscitado nas razões do recurso submetido à sua apreciação. 2. Se a questão constitucional não foi suscitada oportunamente no recurso interposto perante o Tribunal de origem, são ineficazes e tardios os embargos de declaração opostos para fins de prequestionamento. Incidência das Súmulas 282 e 356 desta Corte. Agravo regimental não provido.RE 412633 AgR / SP - SÃO PAULO AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO RELATOR: Ministro. EROS GRAU - Julgamento: 21/09/2004 - Órgão Julgador: Primeira Turma - Publicação: DJ DATA-15-10-2004 (grifo nosso), Não existe outro modo de demonstrar o prequestionamento explicito, senão de forma clara, evidente e precisa. A contrario sensu: EMENTA: ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. JUROS COMPENSATÓRIOS. TAXA. CUMULAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS. POSSIBILIDADE. SÚMULA 102/STJ. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. MP 1.997/00. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MP 2.109-53/00. 1. A despeito da exigüidade de sua fundamentação, o acórdão recorrido decidiu a totalidade das questões objeto do recurso especial, razão pela qual é viável o conhecimento do apelo, pelo prequestionamento implícito da matéria nele suscitada, afastando-se, com isso, a alegação de violação ao art. 535 do CPC. 2. A Medida Provisória 1.577, de 11.06.1997, introduziu no DL 3.365/41 o art. 15-A, reduzindo a taxa dos juros compensatórios de 12% (Súmula 618/STF) para 6% ao ano. Porém, a expressão "de até seis por cento ao ano", constante do citado dispositivo, teve sua eficácia suspensa pelo STF, em 13.09.2001, em medida liminar na ADIn 2.332/DF, com o que ficou restabelecida a legislação anterior, sendo os juros compensatórios devidos no percentual previsto na Súmula 618/STF. 3. "A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei" (Súmula 102/STJ). 4. A determinação trazida pela Medida Provisória 1.997-34, de 13.01.2000, ao introduzir no Decreto-lei 3.365/41 o art. 15-B, para que o termo inicial dos juros moratórios seja "1º de janeiro do exercício àquele em que o pagamento deveria ser feito", é regra que se coaduna com orientação mais ampla do Supremo, segundo a qual não há caracterização de mora do ente público, a justificar a incidência dos correspondentes juros, sempre que o pagamento se faça na forma e no prazo constitucionalmente estabelecidos (arts. 33 do ADCT e 100 da CF). 5. Os critérios para a fixação de honorários advocatícios em ações de desapropriação, previstos no § 1º do art. no art. 27 do DL 3.365/41, são também aplicáveis às hipóteses de desapropriação indireta, conforme determina o § 3º do mesmo artigo, introduzido ela MP 2.109-53, de 27.12.2000 (reeditada sob o nº 2.183-56, em 4.08.2001). . "A sucumbência rege-se pela lei vigente à data da sentença que a impõe" (RESP 542.056/SP, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 22.03.2004; RESP 487.570/SP, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ de 31.05.2004; RESP 439.014/RJ, 2ª Turma, Min. Franciulli Netto, DJ de 08.09.2003). 7. Recurso especial parcialmente provido. RELATOR Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI - Julgamento: 03/03/2005 - Órgão Julgador: Primeira Turma - Publicação: DJ 21.03.2005 (grifo nosso). Implícito, porém, é vocábulo que se define em não mostrar, que não esta expresso claramente ou que se subentende. O prequestionamento implícito estará caracterizado quando o juízo não tenha expressamente mencionado o dispositivo da lei ou da Constituição Federal que fora ferido, bastando por si só que na decisão perceba-se o debate da questão. Isto é, supõe o prequestionamento diante da solução apresentada pelo juízo. Posições existem no sentido de que não é suficiente que a matéria seja mencionada, porque é forçoso que haja discussão da matéria objeto dos recursos extraordinários. Assim como a matéria deve ser enfrentada, o prequestionamento será explicito, exigindo clareza inequívoca. Se existem dúvidas a respeito da aplicabilidade de algum ato ou norma que esta discussão seja amplamente tratada inclusive indicando o próprio dispositivo em referência. A avaliação do caso em concreto realizada pelo juízo a quo deverá ser cautelosa e precisamente motivada, oferecendo condições para a concretização do prequestionamento. Igualmente neste posicionamento encontramos fundamento na Súmula nº 282 de 1963 do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada". Todavia os Tribunais na interposição do recurso excepcional tem admitido como requisito o prequestionamento implícito ao entender que além de verificar a possível discussão da questão na decisão que desconsiderou a norma, esta não necessariamente precisará mencionar os seus dispositivos que serviram de base à tese. Eis a recente posição dos Tribunais: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. I - A inexistência, no e. Tribunal de origem, do prequestionamento explícito dos artigos elencados como violados no recurso especial não prejudica o exame deste, sendo suficiente para o seu conhecimento que a matéria objeto de irresignação tenha sido discutida. Precedentes. II - O segurado que presta serviço em condições especiais, nos termos da legislação então vigente, e que teria direito por isso à aposentadoria especial, faz jus ao cômputo do tempo nos moldes previstos à época em que realizada a atividade. Isso se verifica na medida em que se trabalha. Assim, eventual alteração no regime corrida posteriormente, mesmo que não mais reconheça aquela atividade como especial, não retira do trabalhador o direito à contagem do tempo de serviço na forma anterior, porque já inserida em seu patrimônio jurídico. III - O Decreto nº 72.771/73 estabelecia como atividade especial a exposição do trabalhador, em caráter permanente, a ambientes com ruídos superiores a 90dB. IV - In casu, considerando-se a legislação vigente à época em que o serviço foi prestado, incabível o enquadramento do labor como atividade especial. Agravo regimental desprovido.AgRg nos EDcl no RESP 637839 / PR ; AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2004/0003664-0 - RELATOR Ministro FELIX FISCHERÓrgão Julgador: Quinta Turma - Julgamento 08/03/2005 -Publicação DJ 04.04.2005. Enfim é indubitável que diante de tais posições o prequestionamento implícito individualiza-se toda vez que a decisão recorrida, não obstante adote determinada tese, não esclareça qual a norma desrespeitada. É exatamente a incidência da hipótese de cabimento do recurso especial ou extraordinário acrescentada com a ocorrência do prequestionamento que dará origem ao direito de interpor tais recursos. 4 - Embargos de Declaração com fins prequestionadores No cumprimento do due process of law as decisões devem ser devidamente motivadas. E deste modo a parte interessada só pode recorrer de uma decisão se ela estiver fundamentada nas razões do juízo, demonstrando pois, o efetivo controle da atividade jurisdicional. Os Embargos Declaratórios previstos no artigo 535 da Lei Adjetiva Processual têm a finalidade de sanar quaisquer contradições, obscuridades ou omissões constantes na decisão do juiz. De fato toda decisão deve ser precisa sob pena de obstaculizar seu efeito. A doutrina prevê a possibilidade da oposição de Embargos declaratórios quando diante da inércia das partes o juiz também não profere qualquer valor a respeito da matéria federal ou constitucional que ensejaria a interposição dos recursos excepcionais. Há decisões no Superior Tribunal de Justiça que reconhecem que não tendo o recorrente oposto Embargos de Declaração a fim de sanar qualquer contrariedade ou provável falha, inviabilizado estará o cabimento dos recursos extraordinários, pois desta forma não existirá prequestionamento, ainda que precário, pois ocorrido somente através dos Embargos Declaratórios. Vejamos: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO. DESNECESSIDADE. JUROS DE MORA. PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES DO STF E STJ. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no entendimento de que deve a parte vincular a interposição do recurso especial à violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, quando, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, o tribunal a quo persiste em não decidir questões que lhe foram submetidas a julgamento, por força do princípio tantum devolutum quantum appellatum ou, ainda, quando persista desconhecendo obscuridade ou contradição argüidas como existentes no decisum. 2. Decidida a questão suscitada, qual seja, a da possibilidade do agravo de instrumento ser julgado monocraticamente pelo Relator, não há falar em violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, à ausência de omissão, contradição ou obscuridade a ser suprida ou dirimida, eis que os embargos de declaração não se destinam ao prequestionamento explícito. 3. "1. O Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que não são devidos juros moratórios no período compreendido entre a data de expedição do precatório judicial e a do seu efetivo pagamento no prazo estabelecido na Constituição Federal, por não se caracterizar inadimplemento por parte do Poder Público (cf. RE nº 298.616/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, in DJ 3/10/2003).2. A contrario sensu, se não houver o pagamento do valor consignado no precatório até o mês de dezembro do ano seguinte ao da sua apresentação, é de se reconhecer a incidência dos juros de mora a partir de 1º de janeiro subseqüente até a data do efetivo pagamento da obrigação (cf. EREsp nº 449.848/MG, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, in DJ 19/12/2003). (...)" (REsp 544.167/SP, da minha Relatoria, in DJ 21/6/2004). 4. Recurso provido. RESP 669707 / SP; RECURSO ESPECIAL 2004/0099047-6 - RELATOR Ministro HAMILTON CARVALHIDO - Órgão Julgador: SEXTA TURMA - Julgamento 07/10/2004 - Publicação DJ 17.12.2004. Assim é a Sumula nº 98 do STJ que diz: "Embargos de Declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório." Os Embargos Declaratórios, então, teriam a finalidade principal de viabilizar a interposição dos recursos excepcionais. Outras decisões do Superior Tribunal de Justiça entendem que os embargos declaratórios não prestam para prequestionar matéria não tratada: EMENTA: RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. OMISSÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS AO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO DOS ARTS. 5º,XXXV, LIV E LV, E 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE ANTE AUSÊNCIA DE OMISSÃO. 1. Os embargos declaratórios se prestam a sanar omissão, obscuridade ou contradição na decisão judicial, constituindo a modificação do julgado conseqüência lógica da correção de eventuais vícios. 2. É sedimentada a impossibilidade de se emprestarem efeitos infringentes aos embargos de declaração sem que ocorra omissão, obscuridade ou contradição no acórdão objurgado. 3. As hipóteses de cabimento do recurso aclaratório estão previstas nos incisos I e II do art. 535 do CPC, e, dentre aquelas, não se encontra a possibilidade de promoção do prequestionamento explícito de dispositivo com o propósito do embargante vir a manejar recursos de natureza extrema; abre-se ensejo a tal desiderato quando houver omissão, obscuridade ou contradição no corpo da decisão judicial embargada. 4. Embargos de declaração rejeitados. EDcl no RESP 480589 / RS; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2002/0166187-5 - RELATOR Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA - Órgão Julgador: Sexta Turma - Julgamento 04/11/2004 - Publicação DJ 22.11.2004. Os Embargos Declaratórios não seriam instrumentos próprios ao ensejo do prequestionamento, já que afrontariam os princípios constitucionais basilares e somente exteriorizariam o "jus esperniandi" do Recorrente. Já no Supremo Tribunal Federal é pacifico que não serão admitidos os Embargos Declaratórios com fins prequestionadores porque não existem vícios. Os Embargos somente podem ser opostos quando a parte tiver ventilado determinada matéria e o juiz na apreciação for omisso a respeito. Consoante a interpretação supra a oposição dos Embargos Declaratórios é ônus processual da parte interessada, porém não tem o condão de alcançar o prequestionamento. Os Embargos de Declaração não são instrumentos de retrocesso na discussão de determinada questão eis que servem para suprir omissão, contradição ou obscuridade em decisão jurisdicional. A necessidade do prequestionamento, portanto, é ínsita ao desenvolvimento da apreciação da lide, assim mesmo quando estamos diante de uma decisão viciada, isso não nos bastará para a efetiva interposição dos recursos extraordinários, pois os Embargos Declaratórios não terão utilidade de prequestionar a matéria não debatida em momento oportuno. Os Embargos Declaratórios tidos como prequestionadores não tem o poder de fortalecer a rediscussão da matéria federal ou constitucional ou de provocar a apreciação expressa do julgador. Contudo, a Sumula nº 356 do Supremo Tribunal Federal de 1963 formaliza que: "O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento." Nesse sentido, entendia-se naquele tempo que se não existisse o prequestionamento nos autos do processo, bem como na decisão, haveria ainda a oportunidade da parte opor Embargos Declaratórios com o fito de abrir portas a admissibilidade dos recursos extraordinários. Ressalta-se, entretanto, que apesar da importância da oposição dos Embargos de Declaração, para que se viabilize a interposição dos recursos excepcionais é necessária a manifestação do julgador a cerca da matéria a ser invocada em tais instrumentos, haja vista a existência da Sumula nº 211 de 1998 do Superior Tribunal de Justiça: "Inadmissível recurso especial quanto a questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo". Compreende-se, pois, que quando a parte opõe Embargos de Declaração este não essencialmente garantirá a apreciação do julgador quanto a questão constitucional ou federal, porque sua utilidade primária se refere tão somente a afastar vícios da decisão proferida, e não prequestionar essas matérias. 5 - O prequestionamento na prestação jurisdicional O princípio da inafastabilidade jurisdicional envolve o direito à ação, a defesa e ao contraditório, a isonomia das partes na medida de suas desigualdades, e enfim, o devido processo legal consubstanciando no direito subjetivo publico da parte que vê a relação jurídica material doente e almeja uma solução do conflito de interesses. O direito de agir, e ainda mais, o direito de ação são resguardados pela Constituição Federal, que assegura não só o direito de petição, mas sim o direito de se defender e expor suas argumentações diante do que lhe fora rogado. A Constituição, o ponto mais alto da pirâmide, conforme Teoria de Kelsen, é a norma fundamental que rege os princípios que iluminam as relações jurídicas, bem como a estrutura que da sustentação ao ordenamento jurídico. Estudiosos entendem que o prequestionamento não é uma exigência legal tendo em vista que a Carta Magna não o mencionou em seu texto, e que em razão disso, seria inconstitucional. Porém não temos decisões que acolhem esse sentido. O prequestionamento como vimos, é instituto de construção jurisprudencial, pois não previsto no ordenamento jurídico brasileiro, e a jurisprudência não pode em razão de expressa vedação constitucional, impor condição à interposição de instrumento recursal. Evidentemente isso seria um modo de denegar o acesso à justiça, ferindo diretamente o princípio da inafastabilidade da jurisdição. A Constituição de 1787 dos Estados Unidos da América, elaborada por deputados dos 13 Estados, combinou duas tendências: organizou-se uma república federativa presidencialista, em que se manteve para cada Estado da federação o direito de possuir a sua própria Constituição, ao mesmo tempo em que o presidente representaria o poder central, sendo eleito com um mandato de seis anos e acompanhado por duas câmaras (o Senado e deputados representantes) e pela Suprema Corte de Justiça. Em 1891 a Primeira Constituinte do Brasil entendeu por bem acolher os princípios da Lei norte-americana, contudo, surge com alicerce nos parâmetros do Estado Liberal de Direito. As bases do liberalismo tinham surgido com o Iluminismo, que contestavam o mercantilismo, defendendo princípios burgueses.Seus princípios gerais eram: a defesa da propriedade privada, individualismo econômico, liberdade de comércio e produção, respeito às leis naturais da economia e liberdade de contrato de trabalho sem controle do Estado ou pressão dos sindicalistas. O liberalismo transformou-se na força ideológica mundial definida a partir das Revoluções de 1830. No liberalismo a intervenção do Estado é valida para apoiar as atividades como forma de estímulo à produção, controle flexível de preços e assistência a desempregados. A desigualdade econômica é normal e desejável, proporcionando vitalidade ao sistema. A ação do Estado não pode privar os indivíduos de seus direitos fundamentais. O consentimento é a fonte da autoridade. O trabalho é a fonte da riqueza. E uma vez que o interesse individual coincide com o interesse da coletividade, deve-se na prática, deixar plena liberdade de ação aos interesses privados. Mas, o acesso à justiça seria privilégio somente de alguns. No Brasil, desde a primeira Constituição, a intenção primordial, porém não tão contundente como agora, foi consolidar o Estado de Direito Democrático. Bem, na Democracia temos o princípio da liberdade concedendo autonomia aos indivíduos, ainda há a preferência pelos regimes de Direito, o controle da Sociedade Civil sobre o Estado, como características peculiares: a iniciativa, a criatividade, a solidariedade e a cooperação; a decisão da maioria legitimando as ações políticas e jurídicas, a limitação da autoridade e o poder descentralizado através de organizações formais e informais. O Estado de Direito Democrático é ideologia que prima pela democratização do capitalismo, justiça social através de distribuição eqüitativa da renda, mudanças sociais mediante reformas graduais, economia mista, mercado regulado, propriedade individual e pública beneficiando a todos, incentivo a organizações profissionais, partidos políticos, entidades de defesa de direitos e valorização de sindicatos. O Estado é concebido como instrumento para a conquista da liberdade e direitos sociais, centro de poder essencial para redistribuir ao povo, os excedentes sociais. A norma pura e simples não é expressão legitima para proteger as garantias individuais e sociais, com isso não se exaltam unicamente os direitos, mas sim a garantia a esses direitos, pois a vontade soberana do povo é essencial ao desenvolvimento do Estado. É notório que não se coadunam os princípios do Estado Liberal com os do Estado Democrático. O princípio da instrumentalidade das formas, embora tenha como regra o alcance da função cognitiva do Estado-juiz, compondo o conflito de interesses viciado, admite que em nome da economia processual só se preocupe com os fins, abandonando os meios. Nesse passo, a exigência do prequestionamento impediria o acesso à prestação da tutela jurisdicional. Além disso, o processo não atingiria seu fim maior: a efetividade das normas e das decisões dos órgãos competentes. Categoricamente, o prequestionamento é instituto de natureza genuinamente formal que impõe restrições de acesso ao judiciário, atendendo a exclusão social e apontando a deficiência da oportunidade de Justiça tão esperada pelos brasileiros. O prequestionamento há de ser considerado espécie de denegação de justiça. Cumpre destacar finalmente que formalidades excessivas dificultam a prestação jurisdicional como prevista, e ainda, é incontestável que na existência de um vício a exemplo de quaisquer hipóteses de cabimento dos recursos, este estaria prejudicado, pois se dá maior importância ao formalismo do que à ofensa da Constituição ou da lei federal que deveria em razão de sua própria natureza ser um elemento de relevância. Ademais, neste entender, a função dos Tribunais Superiores restaria frustrada. Sob outro enfoque, a doutrina também tem como razoável que se limite o acesso aos órgãos de cúpula haja vista que a razão de ser dos Tribunais Superiores é intrinsecamente ligada à guarda e à garantia do direito constitucional, bem como do direito federal, ademais, há de se evitar os recursos protelatórios desafogando a atividade cognitiva dos órgãos jurisdicionais. Os recursos extraordinários lato sensu são portadores de natureza excepcional, e assim, de acordo com alguns juristas, o prequestionamento pode ser considerado como a expressão de um formalismo legítimo, não positivo, mas revelado como um instrumento bastante eficaz ao controle jurisdicional. Nesse contexto, ao observar o artigo 102, III, e o artigo 105 III, da Carta Magna, vemos que os recursos excepcionais só teriam cabimento na existência de "causa decididas", e consoante já analisado, podemos considerar tal expressão como "questões decididas" - e é exatamente esta interpretação que nos leva a perceber a exigência do prequestionamento, desde que este ocorra na apreciação do julgador, independentemente da atuação da parte, consoante argumentações já escandidas. A não admissibilidade seja do recurso especial ou do extraordinário, em pretexto a ausência do prequestionamento, não revelaria impedimento à tutela jurisdicional, mas comprovaria o não cumprimento às exigências normativas. Logo, apesar do rigor com que se admite o cabimento dos recursos excepcionais, é de extrema importância que se imponha um diferencial à admissibilidade, uma vez que abordamos matérias da guarida federal e constitucional, questões que precisam de tratamento cauteloso, com seriedade, pois normas merecedoras de destaque distinto e de competência dos Tribunais Superiores. 6 - Conclusão Caracterizando o prequestionamento como requisito inquestionavelmente necessário à admissibilidade dos recursos excepcionais, consoante argumentações doutrinárias e jurisprudenciais já escandidas, temos que sob essa análise, alguns comentários finais podem ser manifestados. Em atenção à verificação da origem do prequestionamento sob o manto do direito brasileiro percebeu-se que este foi importado da Lei norte-americana, que teria o desígnio de respeitar o due process of law. Diante dos acontecimentos históricos econômico-sociais, inicialmente as Constituições anteriores mencionavam em "questionar" sem esclarecer o momento processual deste questionar, depois na vigência da Carta de 1988, vemos que esta não faz qualquer referência ao instituto do prequestionamento. A doutrina defende que mesmo não mencionando a exigência imprescindível do prequestionamento, a Constituição confirma a sua importância através da expressão "causa decidida", haja vista que o prequestionamento se dá, em outros termos, na apreciação de uma matéria pelo julgador. Ora existem três posições quanto ao momento em que se deve prequestionar. Primeiramente, o prequestionamento deve ser decorrente do ato da parte de ventilar a questão ao debate do juízo a quo; contudo, permitem-se alguns juristas que o prequestionamento seja ato indubitavelmente jurisdicional, e então seria a manifestação irrefutável do juízo a quo na decisão guerreada; por outro lado, há o entendimento híbrido ao reconhecer que o prequestionamento se dá na fusão desses dois momentos: na matéria suscitada pela parte acrescentada da apreciação exaurente do julgador. A posição que prevalece é que o prequestionamento é ato da parte, pois esta possui a disponibilidade de buscar a tutela de seus direitos. Todavia, considerando que mesmo que haja a possibilidade de prequestionar desde a exordial e da contestação, fatalmente poderá ocorrer a preclusão. Averigua-se que nesta desvantagem a terceira posição seria a que mais deve merecer destaque. Assim, o prequestionamento é a questão federal ou constitucional levada ao conhecimento da instancia inferior e conseqüentemente devidamente apreciada. Frisa-se que o prequestionamento pode ser explícito ou implícito, porém diante das vastas colocações constatamos que no Supremo Tribunal Federal, como órgão de cúpula da guarida constitucional que é, tradicionalmente exige o prequestionamento explícito no intento de obter decisões adequadamente fundamentadas e de esgotar todas as matérias escandidas nos autos do processo em discussão. Não obstante essas considerações, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido o prequestionamento implícito, desde que na contemplação da decisão se note a presença dedutível do tratamento da questão, bem como, necessariamente, a menção expressa do dispositivo legal sob fundamento. Como visto, os Embargos Declaratórios não possuem originariamente fins prequestionadores. A oposição dos Embargos Declaratórios está vinculada a presença de vícios na decisão guerreada, e não a apresentação de argumentações novas no deslinde do processo. Perante esta compreensão, depreende-se que remotamente, somente se admitiria os seus fins prequestionadores caso a parte tenha invocado a manifestação do juízo a quo e este não tenha enfrentado a questão. Ressalta-se, oportunamente, que conforme esta consideração é indiscutível a existência do momento de prequestionar híbrido, pois além do ato da parte é necessária a manifestação do juízo. Por fim, notando o valor do prequestionamento, e diante da opção do legislador constituinte em não mencionar o prequestionamento, consagra-se na jurisprudência a sua constitucionalidade. Cumpre, nesse sentido, fazer referência ao entendimento de que os obstáculos que se colocam diante da interposição dos Recursos Extraordinários lato sensu se devem ao seu caráter excepcional, tendo em vista que apesar das visíveis dificuldades, estas restrições são necessárias a segurança da ordem jurídica. Portanto, embora muitos operadores de direito custam a acreditar a significativa importância do instituto do prequestionamento, este é constitucional, porque traz à baila o respeito aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, consoante fatos e fundamentos escandidos no presente trabalho. |
7 - Referências bibliográficas
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CRETELLA JÚNIOR, José. Elementos de Direito Constitucional. 3 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: 1998.
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PINTO, Nelson Luiz. Manual dos Recursos Cíveis. 3. ed. ampl. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
Dos recursos extraordinário e especial
1 - Delineamentos
Exige-se, para a interposição dos Recursos Extraordinários in latu sensu, o esgotamento das vias ordinárias, em obediência ao princípio da unirrecoribilidade e admitindo a ocorrência da preclusão consumativa, onde a parte tem a possibilidade de praticar um ato de maneiras diversas que se confrontam caso já tenha escolhido como se manifestar.
Os recursos excepcionais não representam uma possibilidade de impugnação das decisões, são remédios instrumentalizados na política da ordem jurídica vigente no Brasil.
O interesse da parte fica suspenso na discussão dos recursos extraordinários e prevalecerá manifestadamente o interesse da ordem pública, conforme o exercício das funções dos Tribunais de Cúpula.
O que deve impulsionar o exercício de tais recursos é a existência deuma questão constitucional ou federal a ser suscitada, preenchendo evidentemente, os pressupostos processuais na sua interposição e realizando o reexame estrito da matéria de direito.
2 - Do Recurso Extraordinário
O Supremo Tribunal Federal é um órgão de cúpula do Poder Judiciário que prima pelo controle da constitucionalidade, resguardando as normas constitucionais e seus princípios basilares, ou seja, o guardião maior da Constituição Federal.
O recurso extraordinário é remédio processual de competência exclusiva da instância máxima do judiciário e foi exatamente este instrumento que a Carta Magna previu para viabilizar a sua preservação.
Inicialmente, o recurso extraordinário destinava-se tanto a solução das questões federais, quanto às questões constitucionais. Entretanto, em razão dessa abertura verificou-se o acúmulo de recursos interpostos e a atividade do STF se tornou morosa. A esta morosidade denominaram de "crise do Supremo", onde se percebeu a necessidade gritante de estabelecer critérios ao recebimento do recurso extraordinário, porque o STF não mais atingia seu fim: uniformizar o direito federal.
Criou-se então, uma técnica de triagem dos recursos, que por uma evolução chegou a sua peculiaridade atual: o "sistema bipartido de admissibilidade do recurso extraordinário", como adiante veremos seus pormenores. Ademais, no decurso do tempo entendeu-se que não bastava apenas uma triagem e sim um fracionamento das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, ou seja, a repartição de competências do STF.
Através da Constituição Federal de 1988, o recurso extraordinário sofreu substanciais mudanças, e ainda, criou-se o STJ que substituindo o extinto Tribunal Federal de Recursos fora destinado a precipuamente zelar pelas normas infraconstitucionais, no intuito de desafogar o STF que estava assoberbado de serviço.
3 - Do Recurso Especial
O STJ passou a ser órgão de cúpula da Justiça Comum, tanto Estadual quanto Federal, ao lado das Justiças Especializadas.
A distribuição das funções do STF com o STJ, ao menos em princípio possibilitou a aplicação e a interpretação da Constituição Federal e manter a inteireza do direito infraconstitucional.
O recurso especial é recurso extraordinário lato sensu, pois também, como o recurso extraordinário em espécie, é remédio processual excepcional e com finalidade diferencial dos demais recursos, ou seja, a preservação da ordem pública, e neste, fracionadamente, das normas infraconstitucionais. E somente o acórdão dos TRF´s e dos Tribunais Estaduais ou do Distrito Federal ensejam o manejo do Recurso Especial.
O alcance de cognição dos recursos especial e extraordinário é muito limitado e por este motivo só admite-se a discussão de questão jurídica, eis a excepcionalidade destes recursos. A excepcionalidade está consubstanciada no fato de que se predomina o interesse da nacionalidade, e, por conseguinte busca-se a inteireza da legalidade.
4 - Hipóteses de cabimento do RE e RESP
As hipóteses de cabimento dos recursos especial e extraordinário são previstas taxativamente em dispositivo constitucional e nos remetem exatamente aos vícios que devem estar presentes na decisão recorrida.
Em um primeiro momento, no juízo de admissibilidade, deve-se perceber a inexistência ou não de alegação de um desses vícios, e está evidente que não admitirá o amplo conhecimento da questão, pois não se pretende, no juízo a quo, a análise do mérito, mas a presença irrefutável da hipótese de cabimento.
A simples constatação de mera ocorrência já é suficiente para a admissão do recurso.
4.1 - Hipóteses de Cabimento do Recurso Especial
- Contrariar ou negar vigência à tratado ou lei federal.
A CF traz duas situações "contrariar" ou "negar vigência". Bem, a doutrina atualmente tem que "contrariar" é muito mais amplo do que "negar vigência". Assim, podemos afirmar que "negar vigência" é espécie de "contrariedade", porque quem nega vigência está contrariando o próprio sentido da lei.
"Negar vigência", pois, é declarar revogada ou deixar de aplicar uma norma jurídica, aqui limitada à lei federal -, enquanto que "contrariar" significa que houve ofensa à letra da lei, ou seja, ao espírito da norma.
Quando se refere à "tratado" a CF é redundante, haja vista que, para os tratados e convenções internacionais serem dotados de validade no Brasil, existe a necessidade de referendo do Congresso Nacional, e por sua conseqüência, incorporam-se ao ordenamento jurídico brasileiro com força imperativa de lei federal.
A "questão federal" estará consubstanciada no fato de um acórdão regional ou estadual, ter negado vigência ou contrariado lei federal. Insta dizer que, a afronta à lei deve ser expressa e direta, caso contrário, no próprio juízo de admissibilidade o recurso será barrado por ausência de pressuposto essencial.
E ainda, lei federal é aquela que possuir origem federal e natureza de direito federal, afastando leis que, embora tenham origem federal tratam exclusivamente de matéria de direito local.
Com efeito, o STJ no exercício de sua função precípua de salvaguardar o direito federal, instrumentalizado com o recurso especial, não pode contentar-se com interposições locais, e sim no mister de suas atribuições, deve aplicar a correta e única interpretação possível.
- Julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal
A EmendaConstitucional45trouxeà lume o início da reforma do Judiciário e com ela houve desmembramento da hipótese prevista no artigo 105 III, b: "julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal".
Com a modificação (conforme Emenda Constitucional nº 45, em anexo) o STJ é competente para julgar recurso especial apenas em relação ao julgamento da validade do ato de governo local, enquanto que o STF ficou incumbido de apreciar a validade de lei local, vale destacar que ambos estarão vinculados à contestação em face de lei federal.
Entende-se que estas mudanças se motivaram pelo teor político das decisões do STF que estaria mais apto a julgar recurso extraordinário em questões de hierarquia das normas.
Ademais, esta hipótese enseja em discussão de inconstitucionalidade das leis federais e locais, e essa sem dúvida é atribuição do STF, na divisão das competências legislativas prevista na Constituição Federal.
No juízo de admissibilidade é bastante que uma decisão do tribunal a quo ao dar validade a ato de governo local, tenha sido contestada diante de uma lei federal, e só assim, então, o STJ atuará apreciando sobre o acerto ou não da dita aplicação, reparando a possível violação à lei federal.
É irrelevante se houve equívoco ao suscitar a alínea "a" ou "b", pois, de toda maneira haverá ofensa á lei federal, e será, portanto, viável a interposição do recurso, tanto sob fundamento a uma, quanto à outra.
"Ato de governo local" é aquele praticado por agentes públicos dotados de certa parcela de poder, independentemente se Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, com ressalva às decisões puras proferidas nos autos dos processos.
- Divergência de interpretação de direito federal.
O STJ com o fito de obter a certeza e a segurança jurídica, realiza a uniformização do entendimento dos tribunais inferiores.
Na hipótese de divergência de interpretação de direito federal, não basta a afirmação da existência de outra (s) interpretação (ões), mas a sua consolidação em demonstração cabal, tal seja, a apresentação da decisão paradigma. Vale dizer que, a decisão divergente, ou melhor, paradigma, não pode ser do mesmo tribunal cujo acórdão está sendo recorrido.
A alínea "c" do artigo 105 III da CF ensejará também, a possibilidade de interposição de Recurso Especial fundamentada na alínea "a", pois, de toda sorte haverá a violação à lei federal.
4.2 - Hipóteses de Cabimento do Recurso Extraordinário
- Contrariar a Constituição Federal
O ataque a dispositivo da CF deve ser direto e frontal, e não reflexo. Porém, no juízo de admissibilidade, não se exige a prova real da contradição, bastando tão somente, a simples alegação.
Caso exista afronta à questão federal e a questão constitucional, diretamente, a solução é a interposição simultânea do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, conforme o crivo do recorrente e respeitando as formalidades impostas pela lei.
- Declarar inconstitucional tratado ou lei federal
O recurso extraordinário constitui num verdadeiro instrumento de controle da constitucionalidade das leis.
Inicialmente, no juízo de admissibilidade, bastará que a decisão a quo tenha declarado inconstitucional tratado ou lei federal, para que seja admitido o recurso extraordinário.
Já no STF, será examinado minuciosamente o mérito, a fim de declarar se há inconstitucionalidade ou não.
Lembramos, contudo, que o tratado mencionado neste dispositivo, é aquele que já incorporou no ordenamento jurídico conforme já exposto na discussão das hipóteses de cabimento do recurso especial.
Trata-se, portanto, de declaração de inconstitucionalidade através do controle difuso pela via de exceção, tendo em vista que, nesta hipótese a alegação de provável inconstitucionalidade é questão prejudicial e gera uma discussão à parte na busca de uma mera análise do caso em concreto. Assim, os efeitos dessa declaração só será entre as partes.
Por sua vez, há de se esclarecer que no controle de constitucionalidade por meio concentrado leva-se em conta tão apenas a análise da norma em abstrato, tendo por objeto a própria questão da inconstitucionalidade e gerando efeitos erga omnes.
Ressalta-se nesta oportunidade, que originariamente somente o STF possui competência para julgar diretamente se determinada lei é inconstitucional, eis o denominado controle de constitucionalidade concentrado, onde a apreciação da norma é pura, em abstrato, não levando em conta o caso em questão.
Isto posto, deve-se saber que o STF não está vinculado às decisões de outros órgãos, deste modo, caso queira manter a decisão pela inconstitucionalidade da lei, pode em razão de ser órgão de cúpula com poderes políticos, mantê-la fundamentada em outra motivação.
- Julgar válida lei local ou ato de governo local em face da Constituição Federal
A CF/88 representa a ordem máxima da Federação brasileira, e de acordo com a pirâmide de Hans Kelsen está na base. Em função disso, a demais normas estarão subordinadas à Carta Magna.
Quando prevê esta hipótese a CF demonstra o vigor da distribuição da competência legislativa. Assim, quando uma lei local ou um ato de governo local ofender a CF estará dando oportunidade para a interposição de recurso extraordinário, e zelando pela ordem constitucional.
Salientamos ainda, que deve vulnerar diretamente qualquer preceito da CF, não admitindo a via reflexa (indireta).
Neste diapasão, há de entender que quando existe ofensa aos princípios constitucionais, embora estes tenham grande valor para a ordem jurídica, não se configura a ofensa à Constituição Federal exigida na mesma, pois nesta situação estaremos diante de mera ofensa de ordem reflexa à Carta Magna.
A discussão da validade de uma norma ou ato de governo contraposta a CF, dá ensejo à uma questão de natureza constitucional, pois o tema central será: a invasão de competência da União, ou a do Estado, ou Município.
- Julgar válida lei local em face da lei federal
A Emenda 45/04 se encarregou de dar ao STF a oportunidade de julgar tal hipótese, sob o remédio do recurso extraordinário.
A Lei é ato normativo que essencialmente deve ser editada por autoridade competente. E a Constituição Federal estabelece a competência legislativa: privativa, concorrente ou residual da União, Estados e Municípios.
O STF com o escopo de zelar pela manutenção da CF realiza o controle de constitucionalidade das leis e baseado na mesma, norteia-se nas regras que fixam a hierarquia das normas.
Nesta hipótese, há um evidente conflito de constitucionalidade e com isso, há discussão de "questão constitucional".
5 - Juízo de admissibilidade (juízo de admissibilidade e juízo de mérito)
Sabe-se que para o ajuizamento de uma demanda, faz-se necessária a presença de certos requisitos, quais sejam as condições da ação, cuja ausência impede o conhecimento do mérito. O mesmo ocorre com os recursos, que devem observar alguns requisitos sem os quais não serão apreciados.
Acompanhando os ensinamentos do Professor Paulo César Conrado (2000, p.165): "É que o direito de ação, irrestringível que é, não se subordina a requisitos, pressupostos ou condicionantes, senão a alguns limites - necessários até mesmo a preservação de sua juridicidade - aos quais correspondem justamente as ditas condições da ação."
Se entendermos que o juízo de admissibilidade equipara-se as condições da ação, quanto a sua função, teremos que também será um limitador, e neste caso, um limitador que estaria afastando as procrastinações e preservando a força coercitiva das decisões de primeiro grau.
Pode-se conceituar o juízo de admissibilidade dos recursos como sendo atividade realizada pelo juiz ou pelo Tribunal, onde se verificará a presença, ou não, dos requisitos considerados como indispensáveis à sua análise. Deste modo, uma vez verificada a presença de tais requisitos passará o órgão ad quem à análise do mérito, no qual a pretensão recursal será apreciada. Ou seja, deve-se examinar, aprioristicamente, se o recurso é admissível, e uma vez decidida a admissibilidade, passa ao exame do mérito, pois aquele se antepõe a este, de modo que, em sendo verificada a sua inadmissibilidade por ausência de algum de seus requisitos, o mérito do recurso interposto não será apreciado, ou seja, inexistente será o juízo de mérito, conseqüentemente, não se conhecerá do recurso.
Este juízo de admissibilidade há de ser efetivado ex officio, pois será necessário independentemente de atuação da parte recorrida, ou sendo o caso, do Ministério Público.
5.1 - Características do juízo de admissibilidade
Adota-se no Brasil o sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido onde o juízo a quo recebe o recurso e lhe dá ou não seguimento verificando a existência dos pressupostos genéricos e específicos que lhes são essenciais. Após, sujeita-se ao subseqüente exame do órgão ad quem que detêm a competência para realizar pela segunda vez o juízo de admissibilidade verificando se algum pormenor não fora detectado no juízo inferior, e então caso estejam presentes todos os requisitos será apreciado o mérito do recurso especial ou do extraordinário.
Sob esse aspecto Nelson Nery Junior (2000, p. 225):
"A competência para o juízo de admissibilidade dos recursos é do órgão ad quem. Ao tribunal destinatário cabe, portanto, o exame definitivo sobre a admissibilidade do recurso. Ocorre que, para facilitar os trâmites procedimentais, em atendimento ao princípio da economia processual, o juízo de admissibilidade é normalmente diferido ao juízo a quo para, num primeiro momento, decidir provisoriamente sobre a admissibilidade do recurso. De qualquer sorte, essa decisão do juízo a quo poderá ser modificada pelo tribunal, a quem compete, definitivamente, proferir o juízo de admissibilidade recursal, não se lhe podendo retirar essa competência."
É certo que se constatar a ausência de qualquer um dos pressupostos exigidos antes mesmo, no juízo a quo, não haverá admissão do recurso, e impedido estará o encaminhamento ao juízo ad quem. Entretanto, terá o recorrente sucumbente a faculdade de interpor Agravo de Instrumento - instrumento processual hábil a destrancar recursos. Evidente, ainda, que este Agravo deverá conter elementos suficientes a convencer o juízo no seu julgamento.
De outro modo, admitido o recurso pelo órgão a quo, este oferecerá oportunidade à parte contrária de levantar sua defesa, em seguida, a questão será encaminhada ao tribunal superior e se submeterá a novo juízo de admissibilidade, que se for positivo será processado o seu andamento e o exame do mérito.
Quanto ao juízo de admissibilidade Bernardo Pimentel Souza (2000, p. 43) leciona:
"O juízo de admissibilidade negativo é sempre explícito, e deve ser fundamentado, a fim de que o recorrente saiba os motivos pelos quais o seu recurso não teve seguimento, para que possa, se desejar, interpor outro recurso pleiteando a reapreciação do primeiro.
Ao revés, o juízo de admissibilidade positivo geralmente é implícito. Se o órgão julgador passou a examinar o mérito recursal, significa que os requisitos de admissibilidade foram satisfeitos."
6 - Requisitos de admissibilidade
Da proposição da exordial é mister que existam pressupostos que lhe confiram existência e validade. Partindo deste princípio, em sede de recursos excepcionais, para que o juízo de admissibilidade seja positivo é necessário que o recurso esteja revestido de requisitos genéricos - que se subdividem em intrínsecos e extrínsecos -, além de requisitos específicos, que como bem apontamos em outra oportunidade, são aqueles impostos pela Constituição Federal.
6.1 - Requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário
São requisitos genéricos de admissibilidade de acordo com o que preconiza o Código de Processo Civil: cabimento (as hipóteses de cabimento dos recursos excepcionais são taxativas); legitimação para recorrer (se confunde com o interesse em recorrer, atrelando-se ao fato de que o indivíduo para recorrer deve ter sofrido prejuízo, seja parcial ou total diante da decisão proferida); tempestividade (a lei estabelece os prazos processuais sob pena de preclusão); interesse em recorrer (intimamente ligado à sucumbência, o interessado em recorrer é aquele que foi desfavorecido na sua pretensão ao juízo, ou de outrem, no caso de ser um terceiro); preparo (pagamento das custas processuais, desde que anteriormente a interposição do recurso, pois há de se fazer prova dele anexando a guia com o valor devidamente recolhido); regularidade formal (existem formalidades legais que devem ser observados no intuito de preservar o devido processo legal); inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer (se a decisão mesmo que desfavorável, surtir desde já efeitos em conseqüência de um agir daprópria parte que pretende impugná-la, haverá então, um impedimento ao poder de recorrer). Todos estes dividem-se em intrínsecos e extrínsecos.
Pois bem, tem-se como intrínseco aquilo que lhe é próprio, íntimo. Inseparável ao âmago da existência de uma coisa ou pessoa. De tal modo, os requisitos intrínsecos são aqueles indicativos ao direito de recorrer em si, quando irresignada com a decisão se encontra a parte.
Logicamente é atribuição do órgão competente examinar a forma e o conteúdo do objeto recursal, ou seja, a decisão recorrida. São requisitos intrínsecos: cabimento, legitimação para recorrer e o interesse em recorrer, pois lidam com a intenção do recorrente quando da interposição do recurso.
Destarte, extrínseco é o que não pertence à essência de uma pessoa ou de algo, subsistindo de forma independente ao principal. São fatores externos e alheios à decisão recorrida, pois se referem exatamente ao exercício desse direito de recorrer. E neste passo a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo compõem os requisitos extrínsecos, pois validam a realização e o exercício do direito de recorrer.
A respeito disso, Nelson Nery Junior (2000, p. 241) faz um significante comparativo sustentando:
"Justamente porque o recurso é manifestação, no curso do procedimento, do direito de ação, repete-se aqui, analogicamente, a exigência das "condições da ação": à possibilidade jurídica do pedido corresponde o cabimento; à legitimação para a causa a legitimidade para recorrer; e o interesse processual corresponde o interesse em recorrer.
(...)
No procedimento de primeiro grau, o juiz teve de observar as condições da ação e os pressupostos processuais, pois do contrário não poderia proferir julgamento sobre a lide posta em juízo. Pois bem. Relativamente ao recurso ocorre o mesmo, de ordinário. Devem estar presentes aquelas mesmas condições da ação e os pressupostos processuais para que o tribunal superior possa julgá-lo.
No procedimento de primeiro grau, o juiz teve de observar as condições da ação e os pressupostos processuais, pois do contrário não poderia proferir julgamento sobre a lide posta em juízo. Pois bem. Relativamente ao recurso ocorre o mesmo, de ordinário. Devem estar presentes aquelas mesmas condições da ação e os pressupostos processuais para que o tribunal superior possa julgá-lo."
6.2 - Requisitos específicos de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial
Tendo em vista o caráter excepcional dos recursos extraordinário e especial, pode-se constatar claramente, a presença dos pressupostos genéricos como espécie que são do gênero "recursos", e além desses os pressupostos específicos de base constitucional. (CF, arts. 102, III, e 105, III).
Fato é que o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais não é asseverado simplesmente pela indispensabilidade dos requisitos ou pressupostos gerais, há que se lhes acrescentar um adicional, que consiste nas exigências constitucionais específicas para sua admissibilidade. Sob esse enfoque MANCUSO (2000, p. 145) realça:
"Todavia, em se tratando de recursos de índole excepcional, tais extraordinário e o especial, o implemento dos pressupostos genéricos não basta, havendo mister do preenchimento dos "requisitos específicos de admissibilidade". Tais requisitos específicos, no caso, devem ser buscados na CF, porque se trata de requisitos de natureza constitucional, pelos objetivos a que visam: restabelecer a inteireza positiva do direito constitucional ou federal, fixar-lhes a interpretação ou preserva-lhes a autoridade. Naturalmente, é diversa, na doutrina, a maneira como são vistos esses requisitos específicos."
Como visto, tais recursos, como se encontram colocados na atual Constituição, provieram de uma origem comum: o recurso extraordinário. O qual se bipartiu em recurso especial e recurso extraordinário strito sensu, passando a existir conseqüentemente, em razão de sua origem, inúmeras semelhanças.
É destas características comuns, ínsita ao caráter extraordinário e da análise das hipóteses de cabimento que se pode afirmar: não cabem de qualquer decisão e da decisão cabível não podem ser voltados a qualquer matéria.
Partindo-se de tal premissa percebe-se a existência de pressupostos comuns aplicáveis aos dois recursos, quais sejam: que a decisão recorrida seja decisão judicial de única ou última instância, e que em tal decisão exista uma questão constitucional ou uma questão federal, quer se trate de recurso extraordinário ou recurso especial, respectivamente. Nesse sentido, segue o ensinamento de MEDINA (2000, p.110):
"Esses pressupostos, específicos em relação aos recursos extraordinário e especial, são enquadráveis nos requisitos de admissibilidade dos recursos, que são os mesmos, tanto para os recursos ordinários quanto para os recursos extraordinários, ou excepcionais. V.g., falta interesse em recorrer, no que respeita ao recurso especial e ao recurso extraordinário, dentre outras razões, quando a decisão não de única ou última instância; de igual modo só será cabível o recurso especial e o recurso extraordinário quando houver questão federal ou questão constitucional, respectivamente."
Nesse contexto, extrai-se que tais recursos ditos excepcionais encontram seus pressupostos e fundamentos insculpidos na Constituição Federal ao oposto do que ocorre com os demais recursos ordinários, os quais tem seus requisitos previstos em leis ordinárias. Passemos então à análise dos referidos pressupostos, além de destacarmos a "argüição de relevância" inserida no rol de requisitos a admissibilidade do recurso extraordinário pela Emenda Constitucional nº 45/04.
7 - Causas decididas
Preceitua a Constituição, nos seus artigos 102, III e 105, III, que tanto em sede de recurso extraordinário, como de especial, que a "decisão recorrida" deva qualificar-se como causa decidida em única ou última instância. (CF, art. 102, III; art. 105, III).
Existe uma diferenciação com relação ao termo "causa decidida' no que se refere ao âmbito de cabimento de tais recursos pois, a constituição atrelou a terminação "Tribunal" ao termo.
Como asseverado por MANCUSO (2000, p. 98)
"O constituinte falou em "causas decididas", tout court, quando tratou do recurso extraordinário, ao passo em que, ao versar sobre o recurso especial, atrelou aquela expressão ao termo "Tribunal", tudo indicando que quis estabelecer aí uma diferenciação (descartada, naturalmente, a hipótese de um cochilo terminológico). E a intenção, a nosso ver, foi justamente a de estabelecer um certo contrapeso: o recurso extraordinário perdeu, para o recurso especial, a seara do controle da inteireza positiva do direito federal; em compensação, ganhou a possibilidade de ser oponível - em princípio - contra decisões de 1º grau, quando prolatada em causa de instância única. E com isso se contornou o inconveniente de que, eventualmente, uma afronta à constituição ficasse sem revisão do STF, como ocorreria se o recurso extraordinário só coubesse de acórdão. Agora, pois, legem habemus, e o legislador constituinte optou por tratar diferente os recursos extraordinário e especial, no que concerne ao órgão prolator do julgado recorrido: para o recurso extraordinário fala em "causas decididas, em única ou última instância (...)" (art.102, III); para o especial fala em "causa decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios (...)" - art. 105, III. Ora, "decisão" é termo largo, abrangendo os vários provimentos jurisdicionais, de 1º e 2º graus, exceto, naturalmente, os despachos de expediente, estes por sinal irrecorríveis (CPC, art. 504); ao passo que "decisão de Tribunal" é sinal de acórdão. Para ficarmos na terminologia do Código, temos que o gênero "atos do juiz", abrange as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos (art. 162). Excluindo-se estes últimos (atos de mero impulso oficial), temos que apenas as interlocutórias e as sentenças são "decisões", embora aquelas digam respeito à resolução de "questão incidente" (art.162, §2º) e estas extingam o processo, resolvendo ou não o mérito da causa (CPC, arts.267 e 269)."
Entende-se ainda, que nesse sentido o termo "causas decididas" se equipara ao "prequestionamento".
Bem, se compreendermos que causa decidida é aquela que será guerreada, ou seja, que já fora proferida abordando determinada matéria e que eventualmente será recorrida teremos, dedutivelmente, a semelhança ao prequestionamento, pois este é umbilicalmente ligado a existência de uma causa decidida.
Entende-se como decisão de "única" instância como a proferida por tribunal quando este atua na sua competência originária. Por outro lado, a decisão de "última" instância é aquela proferida pelo tribunal de segunda instância em sede de competência recursal.
Conforme a Súmula 281 do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada", com isso, claramente se observa a real necessidade de esgotamento das vias recursais ordinárias.
Assim, tem-se como "decisão de única ou última instância" dos recursos extraordinário e especial como aquela da qual não mais caibam recursos ordinários. E analisando os dispositivos constitucionais, percebe-se que para serem admissíveis em via excepcional deve o recorrente valer-se de todos os meios de impugnação existentes nas vias inferiores.
Desse modo, apreende-se que antes da utilização dos recursos extraordinários lato sensu, deverá o recorrente ter utilizado, ou seja, não ter suprimido nenhum meio recursal existente nos órgãos ordinários, pois somente assim a decisão recorrível será de última ou única instância.
Nesses termos, Nelson Nery Junior afirma (2000, p. 251):
"(...) Cabendo, ainda, recurso antes dos RE e/ou REsp, devem ser interpostos para que se esgote a recorribilidade nas instâncias ordinárias. Não se admite a interposição dos recursos excepcionais (RE e REsp) per saltum, isto é, suprimindo-se um recurso ainda cabível na instância ordinária. Assim, do acórdão não unânime proferido no julgamento da apelação não se pode interpor RE nem REsp, pois ainda será impugnável por embargos infringentes (art. 530, CPC)."
E também, nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso (2000, p. 77):
"O extraordinário e o especial pressupõem um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única, originária. Isso coloca o problema de só serem exercitáveis contra "causas decididas" ou "decisões finais", ambas expressões significando que não podem ser exercitados per saltum, deixando 'in albis' alguma possibilidade de impugnação (ex.: não interposição de embargos infringentes contra a parte não unânime do julgado recorrido).
(...)Quer dizer: o exercício dos recursos excepcionais pressupõe a preclusão consumativa quanto aos recursos cabíveis nas instâncias inferiores; tendo em vista o princípio da unicorribilidade, cremos que a prática do recurso cabível, na instância ordinária, preclui, consumativamente, esse momento processual, restando então o campo propício para a interposição do recurso extraordinário, do especial, ou de ambos, em sendo o caso."
As possibilidades recursais devem ser exauridas, pois o caráter excepcional atribuído aos recursos extraordinários lato sensu remete a certeza de que somente de modo urgente e extravagante que a parte interessada poderá interpor qualquer desses recursos.
8 - Argüição de relevância
A Emenda 45, de 8 de dezembro de 2004, inseriu a "argüição de relevância" como pressuposto indispensável a interposição do recurso extraordinário, acrescentando o seguinte parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição de 1988:
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Eis uma importante inovação constitucional que tem despertado pouca atenção, ainda, aos olhos dos juristas. No entanto, nesta reforma, depois da súmula vinculante é a maior novidade referente ao controle da constitucionalidade.
Tal instituto não é novo no Direito Brasileiro, pois, já na Reforma do Poder Judiciário de 1977, trazida à tona por meio da Emenda Constitucional 7, de 13 de abril de 1977, a "argüição de relevância" foi introduzida na Constituição de 1967.
A relevância atrelada aos "reflexos na ordem jurídica" da questão federal em julgamento (Emenda 7 à Constituição de 1967) parece corresponder ao dever do recorrente de "demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso" (Emenda 45 à Constituição de 1988).
É uma norma coerente com a função do Supremo Tribunal Federal que zela pelas normas constitucionais. Então, sendo sua função precípua a manutenção da Carta Magna é apropriado permitir-lhe decidir as causas que vai julgar.
Neste caso esta se permitindo que o STF decida de forma política as causas que vai ou não julgar, pois é natural que as decisões do STF tenham também caráter político, uma vez que a Constituição Federal prima pela organização, estruturação, direitos e garantias oferecidas no Estado de Direito Democrático como se fundamenta o Brasil.
Tal instituto, consoante este ponto de vista, pretende ser um filtro nas causas julgadas pelo STF. Portanto, conclui-se, ao menos a princípio, que se trata de inovação que traz bons frutos ao desempenho da função da Suprema Corte.
9 - Conclusão
Considerando-se que o recurso extraordinário emergiu dos fundamentos do writ of error da Lei norte-americana, é evidente que este tem o escopo de proteger a preeminência da Constituição e inicialmente, antes da inserção do recurso especial, também das leis infraconstitucionais.
Em socorro ao grande acúmulo de processos no Supremo Tribunal Federal, criou-se o Superior Tribunal de Justiça, prioritariamente guardião das leis federais através do recurso especial.
Assim, os recursos extraordinário e especial foram merecedores de destaque sendo caracterizados com a natureza de excepcionalidade, pois individualizados pela Constituição Federal quanto às hipóteses de cabimento e suas limitações.
Destarte, sob a argumentação dessa natureza excepcional, não se admite a apreciação de matéria fática, uma vez que na instância superior o que interessa é a solução do interesse público, e não a do particular strictu sensu.
Neste ritmo, os recursos no ordenamento jurídico brasileiro sofrem uma aferição de admissibilidade bipartida onde existe uma verdadeira seleção dos instrumentos recursais, na intenção de excluir possíveis protelações de carga meramente imprudente.
O juízo de admissibilidade, então, é um modo pelo qual o juízo ex officio protege o abuso do acesso protelatório a instância superior.
Considera-se que o juízo de admissibilidade é tão apenas um método de filtrar e eleger os recursos excepcionais que realmente estão calcados nos dispositivos constitucionais. Notadamente o juízo de mérito não se confunde com o juízo de admissibilidade, pois no primeiro o que ocorre é o exaurimento cognitivo da questão exposta.
Neste juízo de admissibilidade verifica-se a existência de determinados elementos genéricos - equiparados às condições da ação - e específicos, estes por sua vez elencados restritivamente na Carta Magna.
Ainda, os recursos excepcionais só serão admissíveis quando não restar qualquer outro meio de impugnação.
No tocante a hipótese da alteração inserida pela Emenda 45 de 2004, esta nos trouxe o desmembramento de uma das hipóteses de cabimento do recurso especial, transportando para o Supremo Tribunal Federal o desempenho do papel de órgão de decisão política, no âmbito da supremacia da Constituição Federal.
10 - Referências bibliográficas
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PINTO, Nelson Luiz. Manual dos Recursos Cíveis. 3. ed. ampl. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 35 ed. vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
Exige-se, para a interposição dos Recursos Extraordinários in latu sensu, o esgotamento das vias ordinárias, em obediência ao princípio da unirrecoribilidade e admitindo a ocorrência da preclusão consumativa, onde a parte tem a possibilidade de praticar um ato de maneiras diversas que se confrontam caso já tenha escolhido como se manifestar.
Os recursos excepcionais não representam uma possibilidade de impugnação das decisões, são remédios instrumentalizados na política da ordem jurídica vigente no Brasil.
O interesse da parte fica suspenso na discussão dos recursos extraordinários e prevalecerá manifestadamente o interesse da ordem pública, conforme o exercício das funções dos Tribunais de Cúpula.
O que deve impulsionar o exercício de tais recursos é a existência deuma questão constitucional ou federal a ser suscitada, preenchendo evidentemente, os pressupostos processuais na sua interposição e realizando o reexame estrito da matéria de direito.
2 - Do Recurso Extraordinário
O Supremo Tribunal Federal é um órgão de cúpula do Poder Judiciário que prima pelo controle da constitucionalidade, resguardando as normas constitucionais e seus princípios basilares, ou seja, o guardião maior da Constituição Federal.
O recurso extraordinário é remédio processual de competência exclusiva da instância máxima do judiciário e foi exatamente este instrumento que a Carta Magna previu para viabilizar a sua preservação.
Inicialmente, o recurso extraordinário destinava-se tanto a solução das questões federais, quanto às questões constitucionais. Entretanto, em razão dessa abertura verificou-se o acúmulo de recursos interpostos e a atividade do STF se tornou morosa. A esta morosidade denominaram de "crise do Supremo", onde se percebeu a necessidade gritante de estabelecer critérios ao recebimento do recurso extraordinário, porque o STF não mais atingia seu fim: uniformizar o direito federal.
Criou-se então, uma técnica de triagem dos recursos, que por uma evolução chegou a sua peculiaridade atual: o "sistema bipartido de admissibilidade do recurso extraordinário", como adiante veremos seus pormenores. Ademais, no decurso do tempo entendeu-se que não bastava apenas uma triagem e sim um fracionamento das hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, ou seja, a repartição de competências do STF.
Através da Constituição Federal de 1988, o recurso extraordinário sofreu substanciais mudanças, e ainda, criou-se o STJ que substituindo o extinto Tribunal Federal de Recursos fora destinado a precipuamente zelar pelas normas infraconstitucionais, no intuito de desafogar o STF que estava assoberbado de serviço.
3 - Do Recurso Especial
O STJ passou a ser órgão de cúpula da Justiça Comum, tanto Estadual quanto Federal, ao lado das Justiças Especializadas.
A distribuição das funções do STF com o STJ, ao menos em princípio possibilitou a aplicação e a interpretação da Constituição Federal e manter a inteireza do direito infraconstitucional.
O recurso especial é recurso extraordinário lato sensu, pois também, como o recurso extraordinário em espécie, é remédio processual excepcional e com finalidade diferencial dos demais recursos, ou seja, a preservação da ordem pública, e neste, fracionadamente, das normas infraconstitucionais. E somente o acórdão dos TRF´s e dos Tribunais Estaduais ou do Distrito Federal ensejam o manejo do Recurso Especial.
O alcance de cognição dos recursos especial e extraordinário é muito limitado e por este motivo só admite-se a discussão de questão jurídica, eis a excepcionalidade destes recursos. A excepcionalidade está consubstanciada no fato de que se predomina o interesse da nacionalidade, e, por conseguinte busca-se a inteireza da legalidade.
4 - Hipóteses de cabimento do RE e RESP
As hipóteses de cabimento dos recursos especial e extraordinário são previstas taxativamente em dispositivo constitucional e nos remetem exatamente aos vícios que devem estar presentes na decisão recorrida.
Em um primeiro momento, no juízo de admissibilidade, deve-se perceber a inexistência ou não de alegação de um desses vícios, e está evidente que não admitirá o amplo conhecimento da questão, pois não se pretende, no juízo a quo, a análise do mérito, mas a presença irrefutável da hipótese de cabimento.
A simples constatação de mera ocorrência já é suficiente para a admissão do recurso.
4.1 - Hipóteses de Cabimento do Recurso Especial
- Contrariar ou negar vigência à tratado ou lei federal.
A CF traz duas situações "contrariar" ou "negar vigência". Bem, a doutrina atualmente tem que "contrariar" é muito mais amplo do que "negar vigência". Assim, podemos afirmar que "negar vigência" é espécie de "contrariedade", porque quem nega vigência está contrariando o próprio sentido da lei.
"Negar vigência", pois, é declarar revogada ou deixar de aplicar uma norma jurídica, aqui limitada à lei federal -, enquanto que "contrariar" significa que houve ofensa à letra da lei, ou seja, ao espírito da norma.
Quando se refere à "tratado" a CF é redundante, haja vista que, para os tratados e convenções internacionais serem dotados de validade no Brasil, existe a necessidade de referendo do Congresso Nacional, e por sua conseqüência, incorporam-se ao ordenamento jurídico brasileiro com força imperativa de lei federal.
A "questão federal" estará consubstanciada no fato de um acórdão regional ou estadual, ter negado vigência ou contrariado lei federal. Insta dizer que, a afronta à lei deve ser expressa e direta, caso contrário, no próprio juízo de admissibilidade o recurso será barrado por ausência de pressuposto essencial.
E ainda, lei federal é aquela que possuir origem federal e natureza de direito federal, afastando leis que, embora tenham origem federal tratam exclusivamente de matéria de direito local.
Com efeito, o STJ no exercício de sua função precípua de salvaguardar o direito federal, instrumentalizado com o recurso especial, não pode contentar-se com interposições locais, e sim no mister de suas atribuições, deve aplicar a correta e única interpretação possível.
- Julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal
A EmendaConstitucional45trouxeà lume o início da reforma do Judiciário e com ela houve desmembramento da hipótese prevista no artigo 105 III, b: "julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal".
Com a modificação (conforme Emenda Constitucional nº 45, em anexo) o STJ é competente para julgar recurso especial apenas em relação ao julgamento da validade do ato de governo local, enquanto que o STF ficou incumbido de apreciar a validade de lei local, vale destacar que ambos estarão vinculados à contestação em face de lei federal.
Entende-se que estas mudanças se motivaram pelo teor político das decisões do STF que estaria mais apto a julgar recurso extraordinário em questões de hierarquia das normas.
Ademais, esta hipótese enseja em discussão de inconstitucionalidade das leis federais e locais, e essa sem dúvida é atribuição do STF, na divisão das competências legislativas prevista na Constituição Federal.
No juízo de admissibilidade é bastante que uma decisão do tribunal a quo ao dar validade a ato de governo local, tenha sido contestada diante de uma lei federal, e só assim, então, o STJ atuará apreciando sobre o acerto ou não da dita aplicação, reparando a possível violação à lei federal.
É irrelevante se houve equívoco ao suscitar a alínea "a" ou "b", pois, de toda maneira haverá ofensa á lei federal, e será, portanto, viável a interposição do recurso, tanto sob fundamento a uma, quanto à outra.
"Ato de governo local" é aquele praticado por agentes públicos dotados de certa parcela de poder, independentemente se Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, com ressalva às decisões puras proferidas nos autos dos processos.
- Divergência de interpretação de direito federal.
O STJ com o fito de obter a certeza e a segurança jurídica, realiza a uniformização do entendimento dos tribunais inferiores.
Na hipótese de divergência de interpretação de direito federal, não basta a afirmação da existência de outra (s) interpretação (ões), mas a sua consolidação em demonstração cabal, tal seja, a apresentação da decisão paradigma. Vale dizer que, a decisão divergente, ou melhor, paradigma, não pode ser do mesmo tribunal cujo acórdão está sendo recorrido.
A alínea "c" do artigo 105 III da CF ensejará também, a possibilidade de interposição de Recurso Especial fundamentada na alínea "a", pois, de toda sorte haverá a violação à lei federal.
4.2 - Hipóteses de Cabimento do Recurso Extraordinário
- Contrariar a Constituição Federal
O ataque a dispositivo da CF deve ser direto e frontal, e não reflexo. Porém, no juízo de admissibilidade, não se exige a prova real da contradição, bastando tão somente, a simples alegação.
Caso exista afronta à questão federal e a questão constitucional, diretamente, a solução é a interposição simultânea do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário, conforme o crivo do recorrente e respeitando as formalidades impostas pela lei.
- Declarar inconstitucional tratado ou lei federal
O recurso extraordinário constitui num verdadeiro instrumento de controle da constitucionalidade das leis.
Inicialmente, no juízo de admissibilidade, bastará que a decisão a quo tenha declarado inconstitucional tratado ou lei federal, para que seja admitido o recurso extraordinário.
Já no STF, será examinado minuciosamente o mérito, a fim de declarar se há inconstitucionalidade ou não.
Lembramos, contudo, que o tratado mencionado neste dispositivo, é aquele que já incorporou no ordenamento jurídico conforme já exposto na discussão das hipóteses de cabimento do recurso especial.
Trata-se, portanto, de declaração de inconstitucionalidade através do controle difuso pela via de exceção, tendo em vista que, nesta hipótese a alegação de provável inconstitucionalidade é questão prejudicial e gera uma discussão à parte na busca de uma mera análise do caso em concreto. Assim, os efeitos dessa declaração só será entre as partes.
Por sua vez, há de se esclarecer que no controle de constitucionalidade por meio concentrado leva-se em conta tão apenas a análise da norma em abstrato, tendo por objeto a própria questão da inconstitucionalidade e gerando efeitos erga omnes.
Ressalta-se nesta oportunidade, que originariamente somente o STF possui competência para julgar diretamente se determinada lei é inconstitucional, eis o denominado controle de constitucionalidade concentrado, onde a apreciação da norma é pura, em abstrato, não levando em conta o caso em questão.
Isto posto, deve-se saber que o STF não está vinculado às decisões de outros órgãos, deste modo, caso queira manter a decisão pela inconstitucionalidade da lei, pode em razão de ser órgão de cúpula com poderes políticos, mantê-la fundamentada em outra motivação.
- Julgar válida lei local ou ato de governo local em face da Constituição Federal
A CF/88 representa a ordem máxima da Federação brasileira, e de acordo com a pirâmide de Hans Kelsen está na base. Em função disso, a demais normas estarão subordinadas à Carta Magna.
Quando prevê esta hipótese a CF demonstra o vigor da distribuição da competência legislativa. Assim, quando uma lei local ou um ato de governo local ofender a CF estará dando oportunidade para a interposição de recurso extraordinário, e zelando pela ordem constitucional.
Salientamos ainda, que deve vulnerar diretamente qualquer preceito da CF, não admitindo a via reflexa (indireta).
Neste diapasão, há de entender que quando existe ofensa aos princípios constitucionais, embora estes tenham grande valor para a ordem jurídica, não se configura a ofensa à Constituição Federal exigida na mesma, pois nesta situação estaremos diante de mera ofensa de ordem reflexa à Carta Magna.
A discussão da validade de uma norma ou ato de governo contraposta a CF, dá ensejo à uma questão de natureza constitucional, pois o tema central será: a invasão de competência da União, ou a do Estado, ou Município.
- Julgar válida lei local em face da lei federal
A Emenda 45/04 se encarregou de dar ao STF a oportunidade de julgar tal hipótese, sob o remédio do recurso extraordinário.
A Lei é ato normativo que essencialmente deve ser editada por autoridade competente. E a Constituição Federal estabelece a competência legislativa: privativa, concorrente ou residual da União, Estados e Municípios.
O STF com o escopo de zelar pela manutenção da CF realiza o controle de constitucionalidade das leis e baseado na mesma, norteia-se nas regras que fixam a hierarquia das normas.
Nesta hipótese, há um evidente conflito de constitucionalidade e com isso, há discussão de "questão constitucional".
5 - Juízo de admissibilidade (juízo de admissibilidade e juízo de mérito)
Sabe-se que para o ajuizamento de uma demanda, faz-se necessária a presença de certos requisitos, quais sejam as condições da ação, cuja ausência impede o conhecimento do mérito. O mesmo ocorre com os recursos, que devem observar alguns requisitos sem os quais não serão apreciados.
Acompanhando os ensinamentos do Professor Paulo César Conrado (2000, p.165): "É que o direito de ação, irrestringível que é, não se subordina a requisitos, pressupostos ou condicionantes, senão a alguns limites - necessários até mesmo a preservação de sua juridicidade - aos quais correspondem justamente as ditas condições da ação."
Se entendermos que o juízo de admissibilidade equipara-se as condições da ação, quanto a sua função, teremos que também será um limitador, e neste caso, um limitador que estaria afastando as procrastinações e preservando a força coercitiva das decisões de primeiro grau.
Pode-se conceituar o juízo de admissibilidade dos recursos como sendo atividade realizada pelo juiz ou pelo Tribunal, onde se verificará a presença, ou não, dos requisitos considerados como indispensáveis à sua análise. Deste modo, uma vez verificada a presença de tais requisitos passará o órgão ad quem à análise do mérito, no qual a pretensão recursal será apreciada. Ou seja, deve-se examinar, aprioristicamente, se o recurso é admissível, e uma vez decidida a admissibilidade, passa ao exame do mérito, pois aquele se antepõe a este, de modo que, em sendo verificada a sua inadmissibilidade por ausência de algum de seus requisitos, o mérito do recurso interposto não será apreciado, ou seja, inexistente será o juízo de mérito, conseqüentemente, não se conhecerá do recurso.
Este juízo de admissibilidade há de ser efetivado ex officio, pois será necessário independentemente de atuação da parte recorrida, ou sendo o caso, do Ministério Público.
5.1 - Características do juízo de admissibilidade
Adota-se no Brasil o sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido onde o juízo a quo recebe o recurso e lhe dá ou não seguimento verificando a existência dos pressupostos genéricos e específicos que lhes são essenciais. Após, sujeita-se ao subseqüente exame do órgão ad quem que detêm a competência para realizar pela segunda vez o juízo de admissibilidade verificando se algum pormenor não fora detectado no juízo inferior, e então caso estejam presentes todos os requisitos será apreciado o mérito do recurso especial ou do extraordinário.
Sob esse aspecto Nelson Nery Junior (2000, p. 225):
"A competência para o juízo de admissibilidade dos recursos é do órgão ad quem. Ao tribunal destinatário cabe, portanto, o exame definitivo sobre a admissibilidade do recurso. Ocorre que, para facilitar os trâmites procedimentais, em atendimento ao princípio da economia processual, o juízo de admissibilidade é normalmente diferido ao juízo a quo para, num primeiro momento, decidir provisoriamente sobre a admissibilidade do recurso. De qualquer sorte, essa decisão do juízo a quo poderá ser modificada pelo tribunal, a quem compete, definitivamente, proferir o juízo de admissibilidade recursal, não se lhe podendo retirar essa competência."
É certo que se constatar a ausência de qualquer um dos pressupostos exigidos antes mesmo, no juízo a quo, não haverá admissão do recurso, e impedido estará o encaminhamento ao juízo ad quem. Entretanto, terá o recorrente sucumbente a faculdade de interpor Agravo de Instrumento - instrumento processual hábil a destrancar recursos. Evidente, ainda, que este Agravo deverá conter elementos suficientes a convencer o juízo no seu julgamento.
De outro modo, admitido o recurso pelo órgão a quo, este oferecerá oportunidade à parte contrária de levantar sua defesa, em seguida, a questão será encaminhada ao tribunal superior e se submeterá a novo juízo de admissibilidade, que se for positivo será processado o seu andamento e o exame do mérito.
Quanto ao juízo de admissibilidade Bernardo Pimentel Souza (2000, p. 43) leciona:
"O juízo de admissibilidade negativo é sempre explícito, e deve ser fundamentado, a fim de que o recorrente saiba os motivos pelos quais o seu recurso não teve seguimento, para que possa, se desejar, interpor outro recurso pleiteando a reapreciação do primeiro.
Ao revés, o juízo de admissibilidade positivo geralmente é implícito. Se o órgão julgador passou a examinar o mérito recursal, significa que os requisitos de admissibilidade foram satisfeitos."
6 - Requisitos de admissibilidade
Da proposição da exordial é mister que existam pressupostos que lhe confiram existência e validade. Partindo deste princípio, em sede de recursos excepcionais, para que o juízo de admissibilidade seja positivo é necessário que o recurso esteja revestido de requisitos genéricos - que se subdividem em intrínsecos e extrínsecos -, além de requisitos específicos, que como bem apontamos em outra oportunidade, são aqueles impostos pela Constituição Federal.
6.1 - Requisitos genéricos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário
São requisitos genéricos de admissibilidade de acordo com o que preconiza o Código de Processo Civil: cabimento (as hipóteses de cabimento dos recursos excepcionais são taxativas); legitimação para recorrer (se confunde com o interesse em recorrer, atrelando-se ao fato de que o indivíduo para recorrer deve ter sofrido prejuízo, seja parcial ou total diante da decisão proferida); tempestividade (a lei estabelece os prazos processuais sob pena de preclusão); interesse em recorrer (intimamente ligado à sucumbência, o interessado em recorrer é aquele que foi desfavorecido na sua pretensão ao juízo, ou de outrem, no caso de ser um terceiro); preparo (pagamento das custas processuais, desde que anteriormente a interposição do recurso, pois há de se fazer prova dele anexando a guia com o valor devidamente recolhido); regularidade formal (existem formalidades legais que devem ser observados no intuito de preservar o devido processo legal); inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer (se a decisão mesmo que desfavorável, surtir desde já efeitos em conseqüência de um agir daprópria parte que pretende impugná-la, haverá então, um impedimento ao poder de recorrer). Todos estes dividem-se em intrínsecos e extrínsecos.
Pois bem, tem-se como intrínseco aquilo que lhe é próprio, íntimo. Inseparável ao âmago da existência de uma coisa ou pessoa. De tal modo, os requisitos intrínsecos são aqueles indicativos ao direito de recorrer em si, quando irresignada com a decisão se encontra a parte.
Logicamente é atribuição do órgão competente examinar a forma e o conteúdo do objeto recursal, ou seja, a decisão recorrida. São requisitos intrínsecos: cabimento, legitimação para recorrer e o interesse em recorrer, pois lidam com a intenção do recorrente quando da interposição do recurso.
Destarte, extrínseco é o que não pertence à essência de uma pessoa ou de algo, subsistindo de forma independente ao principal. São fatores externos e alheios à decisão recorrida, pois se referem exatamente ao exercício desse direito de recorrer. E neste passo a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo compõem os requisitos extrínsecos, pois validam a realização e o exercício do direito de recorrer.
A respeito disso, Nelson Nery Junior (2000, p. 241) faz um significante comparativo sustentando:
"Justamente porque o recurso é manifestação, no curso do procedimento, do direito de ação, repete-se aqui, analogicamente, a exigência das "condições da ação": à possibilidade jurídica do pedido corresponde o cabimento; à legitimação para a causa a legitimidade para recorrer; e o interesse processual corresponde o interesse em recorrer.
(...)
No procedimento de primeiro grau, o juiz teve de observar as condições da ação e os pressupostos processuais, pois do contrário não poderia proferir julgamento sobre a lide posta em juízo. Pois bem. Relativamente ao recurso ocorre o mesmo, de ordinário. Devem estar presentes aquelas mesmas condições da ação e os pressupostos processuais para que o tribunal superior possa julgá-lo.
No procedimento de primeiro grau, o juiz teve de observar as condições da ação e os pressupostos processuais, pois do contrário não poderia proferir julgamento sobre a lide posta em juízo. Pois bem. Relativamente ao recurso ocorre o mesmo, de ordinário. Devem estar presentes aquelas mesmas condições da ação e os pressupostos processuais para que o tribunal superior possa julgá-lo."
6.2 - Requisitos específicos de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial
Tendo em vista o caráter excepcional dos recursos extraordinário e especial, pode-se constatar claramente, a presença dos pressupostos genéricos como espécie que são do gênero "recursos", e além desses os pressupostos específicos de base constitucional. (CF, arts. 102, III, e 105, III).
Fato é que o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais não é asseverado simplesmente pela indispensabilidade dos requisitos ou pressupostos gerais, há que se lhes acrescentar um adicional, que consiste nas exigências constitucionais específicas para sua admissibilidade. Sob esse enfoque MANCUSO (2000, p. 145) realça:
"Todavia, em se tratando de recursos de índole excepcional, tais extraordinário e o especial, o implemento dos pressupostos genéricos não basta, havendo mister do preenchimento dos "requisitos específicos de admissibilidade". Tais requisitos específicos, no caso, devem ser buscados na CF, porque se trata de requisitos de natureza constitucional, pelos objetivos a que visam: restabelecer a inteireza positiva do direito constitucional ou federal, fixar-lhes a interpretação ou preserva-lhes a autoridade. Naturalmente, é diversa, na doutrina, a maneira como são vistos esses requisitos específicos."
Como visto, tais recursos, como se encontram colocados na atual Constituição, provieram de uma origem comum: o recurso extraordinário. O qual se bipartiu em recurso especial e recurso extraordinário strito sensu, passando a existir conseqüentemente, em razão de sua origem, inúmeras semelhanças.
É destas características comuns, ínsita ao caráter extraordinário e da análise das hipóteses de cabimento que se pode afirmar: não cabem de qualquer decisão e da decisão cabível não podem ser voltados a qualquer matéria.
Partindo-se de tal premissa percebe-se a existência de pressupostos comuns aplicáveis aos dois recursos, quais sejam: que a decisão recorrida seja decisão judicial de única ou última instância, e que em tal decisão exista uma questão constitucional ou uma questão federal, quer se trate de recurso extraordinário ou recurso especial, respectivamente. Nesse sentido, segue o ensinamento de MEDINA (2000, p.110):
"Esses pressupostos, específicos em relação aos recursos extraordinário e especial, são enquadráveis nos requisitos de admissibilidade dos recursos, que são os mesmos, tanto para os recursos ordinários quanto para os recursos extraordinários, ou excepcionais. V.g., falta interesse em recorrer, no que respeita ao recurso especial e ao recurso extraordinário, dentre outras razões, quando a decisão não de única ou última instância; de igual modo só será cabível o recurso especial e o recurso extraordinário quando houver questão federal ou questão constitucional, respectivamente."
Nesse contexto, extrai-se que tais recursos ditos excepcionais encontram seus pressupostos e fundamentos insculpidos na Constituição Federal ao oposto do que ocorre com os demais recursos ordinários, os quais tem seus requisitos previstos em leis ordinárias. Passemos então à análise dos referidos pressupostos, além de destacarmos a "argüição de relevância" inserida no rol de requisitos a admissibilidade do recurso extraordinário pela Emenda Constitucional nº 45/04.
7 - Causas decididas
Preceitua a Constituição, nos seus artigos 102, III e 105, III, que tanto em sede de recurso extraordinário, como de especial, que a "decisão recorrida" deva qualificar-se como causa decidida em única ou última instância. (CF, art. 102, III; art. 105, III).
Existe uma diferenciação com relação ao termo "causa decidida' no que se refere ao âmbito de cabimento de tais recursos pois, a constituição atrelou a terminação "Tribunal" ao termo.
Como asseverado por MANCUSO (2000, p. 98)
"O constituinte falou em "causas decididas", tout court, quando tratou do recurso extraordinário, ao passo em que, ao versar sobre o recurso especial, atrelou aquela expressão ao termo "Tribunal", tudo indicando que quis estabelecer aí uma diferenciação (descartada, naturalmente, a hipótese de um cochilo terminológico). E a intenção, a nosso ver, foi justamente a de estabelecer um certo contrapeso: o recurso extraordinário perdeu, para o recurso especial, a seara do controle da inteireza positiva do direito federal; em compensação, ganhou a possibilidade de ser oponível - em princípio - contra decisões de 1º grau, quando prolatada em causa de instância única. E com isso se contornou o inconveniente de que, eventualmente, uma afronta à constituição ficasse sem revisão do STF, como ocorreria se o recurso extraordinário só coubesse de acórdão. Agora, pois, legem habemus, e o legislador constituinte optou por tratar diferente os recursos extraordinário e especial, no que concerne ao órgão prolator do julgado recorrido: para o recurso extraordinário fala em "causas decididas, em única ou última instância (...)" (art.102, III); para o especial fala em "causa decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios (...)" - art. 105, III. Ora, "decisão" é termo largo, abrangendo os vários provimentos jurisdicionais, de 1º e 2º graus, exceto, naturalmente, os despachos de expediente, estes por sinal irrecorríveis (CPC, art. 504); ao passo que "decisão de Tribunal" é sinal de acórdão. Para ficarmos na terminologia do Código, temos que o gênero "atos do juiz", abrange as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos (art. 162). Excluindo-se estes últimos (atos de mero impulso oficial), temos que apenas as interlocutórias e as sentenças são "decisões", embora aquelas digam respeito à resolução de "questão incidente" (art.162, §2º) e estas extingam o processo, resolvendo ou não o mérito da causa (CPC, arts.267 e 269)."
Entende-se ainda, que nesse sentido o termo "causas decididas" se equipara ao "prequestionamento".
Bem, se compreendermos que causa decidida é aquela que será guerreada, ou seja, que já fora proferida abordando determinada matéria e que eventualmente será recorrida teremos, dedutivelmente, a semelhança ao prequestionamento, pois este é umbilicalmente ligado a existência de uma causa decidida.
Entende-se como decisão de "única" instância como a proferida por tribunal quando este atua na sua competência originária. Por outro lado, a decisão de "última" instância é aquela proferida pelo tribunal de segunda instância em sede de competência recursal.
Conforme a Súmula 281 do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada", com isso, claramente se observa a real necessidade de esgotamento das vias recursais ordinárias.
Assim, tem-se como "decisão de única ou última instância" dos recursos extraordinário e especial como aquela da qual não mais caibam recursos ordinários. E analisando os dispositivos constitucionais, percebe-se que para serem admissíveis em via excepcional deve o recorrente valer-se de todos os meios de impugnação existentes nas vias inferiores.
Desse modo, apreende-se que antes da utilização dos recursos extraordinários lato sensu, deverá o recorrente ter utilizado, ou seja, não ter suprimido nenhum meio recursal existente nos órgãos ordinários, pois somente assim a decisão recorrível será de última ou única instância.
Nesses termos, Nelson Nery Junior afirma (2000, p. 251):
"(...) Cabendo, ainda, recurso antes dos RE e/ou REsp, devem ser interpostos para que se esgote a recorribilidade nas instâncias ordinárias. Não se admite a interposição dos recursos excepcionais (RE e REsp) per saltum, isto é, suprimindo-se um recurso ainda cabível na instância ordinária. Assim, do acórdão não unânime proferido no julgamento da apelação não se pode interpor RE nem REsp, pois ainda será impugnável por embargos infringentes (art. 530, CPC)."
E também, nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso (2000, p. 77):
"O extraordinário e o especial pressupõem um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única, originária. Isso coloca o problema de só serem exercitáveis contra "causas decididas" ou "decisões finais", ambas expressões significando que não podem ser exercitados per saltum, deixando 'in albis' alguma possibilidade de impugnação (ex.: não interposição de embargos infringentes contra a parte não unânime do julgado recorrido).
(...)Quer dizer: o exercício dos recursos excepcionais pressupõe a preclusão consumativa quanto aos recursos cabíveis nas instâncias inferiores; tendo em vista o princípio da unicorribilidade, cremos que a prática do recurso cabível, na instância ordinária, preclui, consumativamente, esse momento processual, restando então o campo propício para a interposição do recurso extraordinário, do especial, ou de ambos, em sendo o caso."
As possibilidades recursais devem ser exauridas, pois o caráter excepcional atribuído aos recursos extraordinários lato sensu remete a certeza de que somente de modo urgente e extravagante que a parte interessada poderá interpor qualquer desses recursos.
8 - Argüição de relevância
A Emenda 45, de 8 de dezembro de 2004, inseriu a "argüição de relevância" como pressuposto indispensável a interposição do recurso extraordinário, acrescentando o seguinte parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição de 1988:
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
Eis uma importante inovação constitucional que tem despertado pouca atenção, ainda, aos olhos dos juristas. No entanto, nesta reforma, depois da súmula vinculante é a maior novidade referente ao controle da constitucionalidade.
Tal instituto não é novo no Direito Brasileiro, pois, já na Reforma do Poder Judiciário de 1977, trazida à tona por meio da Emenda Constitucional 7, de 13 de abril de 1977, a "argüição de relevância" foi introduzida na Constituição de 1967.
A relevância atrelada aos "reflexos na ordem jurídica" da questão federal em julgamento (Emenda 7 à Constituição de 1967) parece corresponder ao dever do recorrente de "demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso" (Emenda 45 à Constituição de 1988).
É uma norma coerente com a função do Supremo Tribunal Federal que zela pelas normas constitucionais. Então, sendo sua função precípua a manutenção da Carta Magna é apropriado permitir-lhe decidir as causas que vai julgar.
Neste caso esta se permitindo que o STF decida de forma política as causas que vai ou não julgar, pois é natural que as decisões do STF tenham também caráter político, uma vez que a Constituição Federal prima pela organização, estruturação, direitos e garantias oferecidas no Estado de Direito Democrático como se fundamenta o Brasil.
Tal instituto, consoante este ponto de vista, pretende ser um filtro nas causas julgadas pelo STF. Portanto, conclui-se, ao menos a princípio, que se trata de inovação que traz bons frutos ao desempenho da função da Suprema Corte.
9 - Conclusão
Considerando-se que o recurso extraordinário emergiu dos fundamentos do writ of error da Lei norte-americana, é evidente que este tem o escopo de proteger a preeminência da Constituição e inicialmente, antes da inserção do recurso especial, também das leis infraconstitucionais.
Em socorro ao grande acúmulo de processos no Supremo Tribunal Federal, criou-se o Superior Tribunal de Justiça, prioritariamente guardião das leis federais através do recurso especial.
Assim, os recursos extraordinário e especial foram merecedores de destaque sendo caracterizados com a natureza de excepcionalidade, pois individualizados pela Constituição Federal quanto às hipóteses de cabimento e suas limitações.
Destarte, sob a argumentação dessa natureza excepcional, não se admite a apreciação de matéria fática, uma vez que na instância superior o que interessa é a solução do interesse público, e não a do particular strictu sensu.
Neste ritmo, os recursos no ordenamento jurídico brasileiro sofrem uma aferição de admissibilidade bipartida onde existe uma verdadeira seleção dos instrumentos recursais, na intenção de excluir possíveis protelações de carga meramente imprudente.
O juízo de admissibilidade, então, é um modo pelo qual o juízo ex officio protege o abuso do acesso protelatório a instância superior.
Considera-se que o juízo de admissibilidade é tão apenas um método de filtrar e eleger os recursos excepcionais que realmente estão calcados nos dispositivos constitucionais. Notadamente o juízo de mérito não se confunde com o juízo de admissibilidade, pois no primeiro o que ocorre é o exaurimento cognitivo da questão exposta.
Neste juízo de admissibilidade verifica-se a existência de determinados elementos genéricos - equiparados às condições da ação - e específicos, estes por sua vez elencados restritivamente na Carta Magna.
Ainda, os recursos excepcionais só serão admissíveis quando não restar qualquer outro meio de impugnação.
No tocante a hipótese da alteração inserida pela Emenda 45 de 2004, esta nos trouxe o desmembramento de uma das hipóteses de cabimento do recurso especial, transportando para o Supremo Tribunal Federal o desempenho do papel de órgão de decisão política, no âmbito da supremacia da Constituição Federal.
10 - Referências bibliográficas
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PINTO, Nelson Luiz. Manual dos Recursos Cíveis. 3. ed. ampl. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 35 ed. vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços
O ICMS está previsto na CF no artigo 155, inciso II, e inserido na competência tributária privativa dos Estados e do Distrito Federal.
Este imposto surgiu na atual CF com o intuito de substituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM), ampliando, pois, sua materialidade, ou seja, o verbo e o complemento da hipótese de incidência e, ainda, distribuindo competência tributária, anteriormente, da União.
Apesar de existir um plural de materialidade do tributo em questão, como os impostos: sobre operações relativas à circulação de mercadorias; sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; sobre serviços de comunicação; entre outros, a intenção do presente trabalho é abordar tão somente a incidência do ICMS sobre o primeiro citado, não desprezando, entretanto, as demais, posto que, cada hipótese tem sua devida importância.
Sumário
1. A materialidade da RMIT do ICMS (operações relativas à circulação de mercadorias). 1.1. ‘Operações’. 1.2. ‘Circulação’. 1.3. ‘Mercadoria’. 2. Conclusão. 3. Referências bibliográficas.
Palavras-chaves: RMIT, ICMS, operações, circulação, mercadoria.
1. A materialidade da RMIT do ICMS (operações relativas à circulação de mercadorias)
Operações relativas à circulação de mercadorias eis o fato social previsto no antecedente da RMIT do ICMS. Sendo o verbo, embora implícito, realizar, e o predicado, operações relativas à circulação de mercadorias.
O critério material, não obstante, hospeda expressões que definidos seus conceitos auxilia na compreensão do que o legislador constitucional pretendia no artigo 155, inciso II.
1.1. Operações
Inicialmente, operações relacionam-se a negócio jurídico, e como nos dizeres do professor Carvalho:
Operações, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios hábeis para provocar a circulação de mercadorias. Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer atividade regulada pelo Direito, e que tenha a virtude de realizar aquele evento. (p. 363 livro ouro b. jf.)
Para Ataliba e Giardino, as operações "são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes." (v. 24/26, p. 105-106 apud BALLEEIRO, 1999, p. 376 apud LINSINGEN, 2001, p. 42).
A hipótese, deste modo, não trata de mera existência de mercadoria, mas sim de uma operação, enquanto negócio jurídico mercantil, podendo ser a compra e venda, a doação, a troca etc.
Destarte, a hipótese de incidência do ICMS recai sobre uma obrigação de dar uma mercadoria, ora consubstanciada em uma operação jurídica.
1.2. Circulação
Circulação, ao seu tempo, é expressão que trata de mudança. E essa se refere à titularidade, que, não obstante, é a situação de alguém ter disponibilidade jurídica sobre um bem, independente de ser ou não seu proprietário.
Conforme citação de Carrazza "tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio do ICMS. Esta idéia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cleber Giardino etc.), encontrou ressonância do próprio STF.", (2006, p. 39) referindo-se à RTJ 64/538.
A circulação é termo que qualifica, portanto, a expressão operação. E, ainda, a circulação é o simples efeito da operação realizada.
Na doutrina de Ataliba: “sempre que haja relação jurídica negocial, de um lado, e mercadoria, de outro (como objeto daquela) - relação na qual um dos sujeitos (o que detém mercadoria) é titular dos direitos de disposição sobre ela e os transfere (operação) a outrem - haverá circulação."(1994, p. 26-27)
E, para o Superior Tribunal de Justiça é necessária uma operação que promova a circulação da mercadoria, de acordo com inserido na Súmula n.166 "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadorias de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.".
1.3. Mercadoria
Por sua vez, todavia, definir a expressão mercadoria é tarefa das mais complexas, e igualmente de suma importância para o deslinde deste.
A CF, fundamento de validade das leis complementares designadas por Código Civil Brasileiro, Código Comercial e Código Tributário Nacional, ao distribuir as competências tributárias fez referência a diversos fatos sociais tributáveis, por exemplo, às operações relativas à circulação de mercadorias, propriedade de veículo automotor, operações relativas a produtos industrializados, ou, mesmo, propriedade de imóvel urbano ou rural etc.
O conceito de mercadoria, pois, sob o ponto de vista constitucional já está definido, porquanto, ao avesso não haveria a homenagem ao princípio do pacto federativo, além de não representar importância a definição dos termos elegidos.
Malgrado, apenas com o fito de afastar qualquer semelhança entre a mercadoria e o produto, este se considera por um bem móvel que seja o resultado de um esforço humano, motivo pelo qual possui alterações ou acréscimo no seu proveito.
Machado ensina sobre o conceito de mercadoria sob a ótica do Direito Tributário:
“Se a Constituição fala de mercadoria ao definir a competência dos Estados para instituir e cobrar o ICMS, o conceito de mercadoria há de ser o existente no Direito Comercial. Admitir-se que o legislador pudesse modificá-lo seria permitir ao legislador alterar a própria Constituição Federal, modificando as competências tributárias ali definidas.” (2006, p. 130).
Inclusive, consoante às palavras desse doutrinador, é a disposição do artigo 110 do CTN:
A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
De tal modo, o conceito de mercadoria para o Direito Tributário deve acompanhar outro já existente, o do Direito Privado.
O artigo 191 do CC[1] estabelecia que: "É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes [...] contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante." Este dispositivo foi revogado pelo CC/02, nos termos do artigo 2.045 das Disposições Finais e Transitórias: "Revogam-se [...] a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850.".
O CC/02, apesar da revogação do artigo em epígrafe, traz sob sua égide, basicamente, as mesmas regras, contudo, com outras palavras. Paralelamente, declara com ênfase, pois, no artigo 79 "são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente". Greco sobre o assunto assegura que:
“um exame do termo mercadoria a) no âmbito constitucional, b) no âmbito legal e c) mesmo no contexto interno da própria LC 70/91 indica que seu significado alcança apenas os bens móveis e não os imóveis. (...) O termo mercadoria encontra na Constituição Federal nítido perfil, alcançando apenas os bens móveis. A discriminação constitucional de competências procura, em mais de uma oportunidade, separar as incidências que correspondam a bens imóveis (ITBI, IPTU, ITR) da incidência sobre bens móveis (ICMS). (...) O termo mercadoria com objeto da mercancia também alcança apenas bens móveis )Cód. Com., art. 191) (...) O termo mercadoria tem sentido circunscrito aos bens móveis, tanto é assim que o legislador, quando quis definir a incidência de contribuições de maneira mais abrangente, utilizou o termo bens (p. ex., Lei n. 9.715/98) ou previu singelamente receita bruta sem especificar qualquer tipo de atividade de que decorra (p. ex., Lei n. 9.718/98).” (Revista Dialética n. 51, p. 134-135)
Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afirma quanto mercadoria, embora atinente ao COFINS, tributo diverso dos evidentes neste, que: "Mercadoria é bem móvel. O COFINS não incide sobre bens imóveis. A Lei tributária não pode ignorar ou desvirtuar os institutos de Direito Privado." (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2ª. Turma. Acordão no REsp nº. 179723/MG, por maioria, Relator Ministro Helio Mosimann, rel. para acórdão Min. Francisco Peçanha Martins, 09 de março 03 de 1999, publicado DJU 02/05/2000, RDR 18/256; RET 14/60; RJADCOAS 9/101)
Com a mencionada revogação não há interferência no conceito de mercadoria do Direito Comercial de outrora, e, muito menos, nas competências tributárias estatuídas. De tal modo, mercadoria é, de fato, bem móvel, desde que sujeito à mercancia.
Relevante, ainda, para a discussão, se o bem móvel é corpóreo ou não, fungível ou não, porque esta reflexão influencia no anseio da CF com a delimitação das competências tributárias.
Considerando, pois, bem móvel corpóreo como aquele que possui corpo e é móvel ou suscetível de movimento próprio, ou ainda de remoção por força alheia, em menção ao artigo 82 do CC/02. E, ademais, fungível como aquele suscetível de substituição e que satisfaça adequadamente as necessidades (dinheiro, café etc.).
Afora tais conceituações, alude-se que a atividade do sujeito que pratica a operação relativa à circulação de mercadoria é significante porque adequada ao conceito de sujeito passivo trabalhado no conseqüente da RMIT.
Para a caracterizarão do sujeito passivo é necessária que haja a prática de operações mercantis, com habitualidade, e com o fito de lucro, podendo para tanto, ser comercial, industrial, produtor, e até mesmo, comerciante de fato ou irregular, entre outros.
Em outro passo, o sujeito ativo será a pessoa política onde aconteceu a operação mercantil, uma vez que a CF optou por combinar o critério espacial do antecedente da RMIT do ICMS, com a limitação geográfica.
2. Conclusão
Enfim, a incidência do tributo não ocorre somente com a circulação da mercadoria, e sim, nas operações relativas à circulação de mercadorias, ante as acepções apontadas.
[1] Ao seu modo, a doutrina de Direito Comercial articula que "chamam-se mercadorias as coisas que comerciantes adquirem com a finalidade específica de revender" (MARTINS. 1998, p. 473).
3. Referências bibliográficas
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 10ª. ed. (rev. e atualizada por Flávio Bauer Novelli). Rio de Janeiro: Forense, 1992.
BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 11ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
_____. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
______. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998.
CONRADO, Paulo César; Introdução à teoria geral do Processo Civil. São Paulo: Max Limonad, 2000.
CRUZ, Terezinha Cristina Firmino da. Direito autoral no uso de programas de computador e desenvolvimento. Teresina: Jus Navigandi, 26 out. 2003. Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2008.
GRECO, Marco Aurélio. Revista Dialética. São Paulo: Dialética, n. 51, p. 134-135.
LINSINGEN, Jaú Schneider von.. A incidência do ICMS e do ISSQN na comercialização eletrônica do Software. Florianópolis: UFSC, 2001. Monografia de graduação. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2008.
MACHADO, Hugo de brito. Curso de Direito Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
MACHADO, Rodrigo Brunelli. (coord.). O ISS na LC nº. 116/2003. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 22ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MELO, José Eduardo Soares de. ISS – Aspectos Teóricos e Práticos. 3. ed. (atual. conforme a Lei Complementar nº 116/2003). São Paulo: Dialética, 2003.
MELO, José Eduardo Soares; PAUSEN, Leandro. Impostos: federais, estaduais e municipais. 3ª. ed. (rev. e atual.). Porto Alegre: Livraria do Advogado (ESMAFE), 2007.
PAUSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado (ESMAFE), 2007.
SABBAG, Maristela Miglioli. Competência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 728, jun. 1996, p. 684.
SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Contratos informáticos: breve estudo. São Paulo: Revista dos Tribunais. a. 88. v. 762. abr. 1999, p. 56.
Este imposto surgiu na atual CF com o intuito de substituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM), ampliando, pois, sua materialidade, ou seja, o verbo e o complemento da hipótese de incidência e, ainda, distribuindo competência tributária, anteriormente, da União.
Apesar de existir um plural de materialidade do tributo em questão, como os impostos: sobre operações relativas à circulação de mercadorias; sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; sobre serviços de comunicação; entre outros, a intenção do presente trabalho é abordar tão somente a incidência do ICMS sobre o primeiro citado, não desprezando, entretanto, as demais, posto que, cada hipótese tem sua devida importância.
Sumário
1. A materialidade da RMIT do ICMS (operações relativas à circulação de mercadorias). 1.1. ‘Operações’. 1.2. ‘Circulação’. 1.3. ‘Mercadoria’. 2. Conclusão. 3. Referências bibliográficas.
Palavras-chaves: RMIT, ICMS, operações, circulação, mercadoria.
1. A materialidade da RMIT do ICMS (operações relativas à circulação de mercadorias)
Operações relativas à circulação de mercadorias eis o fato social previsto no antecedente da RMIT do ICMS. Sendo o verbo, embora implícito, realizar, e o predicado, operações relativas à circulação de mercadorias.
O critério material, não obstante, hospeda expressões que definidos seus conceitos auxilia na compreensão do que o legislador constitucional pretendia no artigo 155, inciso II.
1.1. Operações
Inicialmente, operações relacionam-se a negócio jurídico, e como nos dizeres do professor Carvalho:
Operações, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios hábeis para provocar a circulação de mercadorias. Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer atividade regulada pelo Direito, e que tenha a virtude de realizar aquele evento. (p. 363 livro ouro b. jf.)
Para Ataliba e Giardino, as operações "são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes." (v. 24/26, p. 105-106 apud BALLEEIRO, 1999, p. 376 apud LINSINGEN, 2001, p. 42).
A hipótese, deste modo, não trata de mera existência de mercadoria, mas sim de uma operação, enquanto negócio jurídico mercantil, podendo ser a compra e venda, a doação, a troca etc.
Destarte, a hipótese de incidência do ICMS recai sobre uma obrigação de dar uma mercadoria, ora consubstanciada em uma operação jurídica.
1.2. Circulação
Circulação, ao seu tempo, é expressão que trata de mudança. E essa se refere à titularidade, que, não obstante, é a situação de alguém ter disponibilidade jurídica sobre um bem, independente de ser ou não seu proprietário.
Conforme citação de Carrazza "tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio do ICMS. Esta idéia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cleber Giardino etc.), encontrou ressonância do próprio STF.", (2006, p. 39) referindo-se à RTJ 64/538.
A circulação é termo que qualifica, portanto, a expressão operação. E, ainda, a circulação é o simples efeito da operação realizada.
Na doutrina de Ataliba: “sempre que haja relação jurídica negocial, de um lado, e mercadoria, de outro (como objeto daquela) - relação na qual um dos sujeitos (o que detém mercadoria) é titular dos direitos de disposição sobre ela e os transfere (operação) a outrem - haverá circulação."(1994, p. 26-27)
E, para o Superior Tribunal de Justiça é necessária uma operação que promova a circulação da mercadoria, de acordo com inserido na Súmula n.166 "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadorias de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.".
1.3. Mercadoria
Por sua vez, todavia, definir a expressão mercadoria é tarefa das mais complexas, e igualmente de suma importância para o deslinde deste.
A CF, fundamento de validade das leis complementares designadas por Código Civil Brasileiro, Código Comercial e Código Tributário Nacional, ao distribuir as competências tributárias fez referência a diversos fatos sociais tributáveis, por exemplo, às operações relativas à circulação de mercadorias, propriedade de veículo automotor, operações relativas a produtos industrializados, ou, mesmo, propriedade de imóvel urbano ou rural etc.
O conceito de mercadoria, pois, sob o ponto de vista constitucional já está definido, porquanto, ao avesso não haveria a homenagem ao princípio do pacto federativo, além de não representar importância a definição dos termos elegidos.
Malgrado, apenas com o fito de afastar qualquer semelhança entre a mercadoria e o produto, este se considera por um bem móvel que seja o resultado de um esforço humano, motivo pelo qual possui alterações ou acréscimo no seu proveito.
Machado ensina sobre o conceito de mercadoria sob a ótica do Direito Tributário:
“Se a Constituição fala de mercadoria ao definir a competência dos Estados para instituir e cobrar o ICMS, o conceito de mercadoria há de ser o existente no Direito Comercial. Admitir-se que o legislador pudesse modificá-lo seria permitir ao legislador alterar a própria Constituição Federal, modificando as competências tributárias ali definidas.” (2006, p. 130).
Inclusive, consoante às palavras desse doutrinador, é a disposição do artigo 110 do CTN:
A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
De tal modo, o conceito de mercadoria para o Direito Tributário deve acompanhar outro já existente, o do Direito Privado.
O artigo 191 do CC[1] estabelecia que: "É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes [...] contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante." Este dispositivo foi revogado pelo CC/02, nos termos do artigo 2.045 das Disposições Finais e Transitórias: "Revogam-se [...] a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850.".
O CC/02, apesar da revogação do artigo em epígrafe, traz sob sua égide, basicamente, as mesmas regras, contudo, com outras palavras. Paralelamente, declara com ênfase, pois, no artigo 79 "são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente". Greco sobre o assunto assegura que:
“um exame do termo mercadoria a) no âmbito constitucional, b) no âmbito legal e c) mesmo no contexto interno da própria LC 70/91 indica que seu significado alcança apenas os bens móveis e não os imóveis. (...) O termo mercadoria encontra na Constituição Federal nítido perfil, alcançando apenas os bens móveis. A discriminação constitucional de competências procura, em mais de uma oportunidade, separar as incidências que correspondam a bens imóveis (ITBI, IPTU, ITR) da incidência sobre bens móveis (ICMS). (...) O termo mercadoria com objeto da mercancia também alcança apenas bens móveis )Cód. Com., art. 191) (...) O termo mercadoria tem sentido circunscrito aos bens móveis, tanto é assim que o legislador, quando quis definir a incidência de contribuições de maneira mais abrangente, utilizou o termo bens (p. ex., Lei n. 9.715/98) ou previu singelamente receita bruta sem especificar qualquer tipo de atividade de que decorra (p. ex., Lei n. 9.718/98).” (Revista Dialética n. 51, p. 134-135)
Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afirma quanto mercadoria, embora atinente ao COFINS, tributo diverso dos evidentes neste, que: "Mercadoria é bem móvel. O COFINS não incide sobre bens imóveis. A Lei tributária não pode ignorar ou desvirtuar os institutos de Direito Privado." (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2ª. Turma. Acordão no REsp nº. 179723/MG, por maioria, Relator Ministro Helio Mosimann, rel. para acórdão Min. Francisco Peçanha Martins, 09 de março 03 de 1999, publicado DJU 02/05/2000, RDR 18/256; RET 14/60; RJADCOAS 9/101)
Com a mencionada revogação não há interferência no conceito de mercadoria do Direito Comercial de outrora, e, muito menos, nas competências tributárias estatuídas. De tal modo, mercadoria é, de fato, bem móvel, desde que sujeito à mercancia.
Relevante, ainda, para a discussão, se o bem móvel é corpóreo ou não, fungível ou não, porque esta reflexão influencia no anseio da CF com a delimitação das competências tributárias.
Considerando, pois, bem móvel corpóreo como aquele que possui corpo e é móvel ou suscetível de movimento próprio, ou ainda de remoção por força alheia, em menção ao artigo 82 do CC/02. E, ademais, fungível como aquele suscetível de substituição e que satisfaça adequadamente as necessidades (dinheiro, café etc.).
Afora tais conceituações, alude-se que a atividade do sujeito que pratica a operação relativa à circulação de mercadoria é significante porque adequada ao conceito de sujeito passivo trabalhado no conseqüente da RMIT.
Para a caracterizarão do sujeito passivo é necessária que haja a prática de operações mercantis, com habitualidade, e com o fito de lucro, podendo para tanto, ser comercial, industrial, produtor, e até mesmo, comerciante de fato ou irregular, entre outros.
Em outro passo, o sujeito ativo será a pessoa política onde aconteceu a operação mercantil, uma vez que a CF optou por combinar o critério espacial do antecedente da RMIT do ICMS, com a limitação geográfica.
2. Conclusão
Enfim, a incidência do tributo não ocorre somente com a circulação da mercadoria, e sim, nas operações relativas à circulação de mercadorias, ante as acepções apontadas.
[1] Ao seu modo, a doutrina de Direito Comercial articula que "chamam-se mercadorias as coisas que comerciantes adquirem com a finalidade específica de revender" (MARTINS. 1998, p. 473).
3. Referências bibliográficas
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 10ª. ed. (rev. e atualizada por Flávio Bauer Novelli). Rio de Janeiro: Forense, 1992.
BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 11ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
_____. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
______. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998.
CONRADO, Paulo César; Introdução à teoria geral do Processo Civil. São Paulo: Max Limonad, 2000.
CRUZ, Terezinha Cristina Firmino da. Direito autoral no uso de programas de computador e desenvolvimento. Teresina: Jus Navigandi, 26 out. 2003. Disponível em: . Acesso em: 27 maio 2008.
GRECO, Marco Aurélio. Revista Dialética. São Paulo: Dialética, n. 51, p. 134-135.
LINSINGEN, Jaú Schneider von.. A incidência do ICMS e do ISSQN na comercialização eletrônica do Software. Florianópolis: UFSC, 2001. Monografia de graduação. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2008.
MACHADO, Hugo de brito. Curso de Direito Tributário. 27ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
MACHADO, Rodrigo Brunelli. (coord.). O ISS na LC nº. 116/2003. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 22ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MELO, José Eduardo Soares de. ISS – Aspectos Teóricos e Práticos. 3. ed. (atual. conforme a Lei Complementar nº 116/2003). São Paulo: Dialética, 2003.
MELO, José Eduardo Soares; PAUSEN, Leandro. Impostos: federais, estaduais e municipais. 3ª. ed. (rev. e atual.). Porto Alegre: Livraria do Advogado (ESMAFE), 2007.
PAUSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado (ESMAFE), 2007.
SABBAG, Maristela Miglioli. Competência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 728, jun. 1996, p. 684.
SANTOS, Maria Cecília de Andrade. Contratos informáticos: breve estudo. São Paulo: Revista dos Tribunais. a. 88. v. 762. abr. 1999, p. 56.